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 | Josué Teixeira
| Foto: Josué Teixeira

Vamos levantar a hipótese de que um governo seja contra os pobres. Que tipo de medidas este governo poderia tomar? Talvez pudesse escravizar os pobres, valendo-se de legislação que permita e institucionalize essa prática abominável; depois, poderia libertá-los sem se preocupar, minimamente, em permitir inclusão, integração e desenvolvimento; deixando-os morar em barracos provisórios e sem reconhecer títulos de propriedade sobre as próprias posses, impedi-los, de fato, de ligar luz, água, gás, telefone legalmente.

Desta forma, os miseráveis não poderiam pedir a uma empresa que asfaltasse a rua; não poderiam usar os próprios ativos (seus barracos) para abrir uma loja, empreender e melhorar de vida. Seriam também obrigados a deixar alguém em casa o dia inteiro, pois, sem título legal, a residência poderia ser tomada por alguém a qualquer momento. Provavelmente, então, um filho ficaria em casa sem estudar.

Se estes pobres ousassem empreender e capitalizar o tempo em casa, inventando um trabalho, como cuidar das crianças dos vizinhos, cozinhar e vender comida, costurar, fazer cabelos, unhas, depilação, vender produtos básicos diretamente da porta de entrada, este governo imaginário poderia proibir as creches informais, poderia pedir uma licença e um curso custoso para virar cabeleireiro e esteticista; poderia aumentar os requisitos higiênicos e de qualidade de comida e roupa, jogando milhões no mercado informal.

Todas as vezes em que falaremos de “gasto social” estaremos, na verdade, gastando o dinheiro dos pobres!

Se, ainda assim, alguns obstinados tentassem vender produtos na rua, aí seria fácil proibir vendedores ambulantes de pipoca, algodão doce, churros, relógios, balões, sorvetes, pôr um monte de fiscais a apreender a mercadoria. E, para pagar estes fiscais, seria preciso aumentar os impostos sobre os pobres.

Quando alguns destes pobres conseguissem construir ou comprar uma humilde moradia, o governo poderia tranquilamente expropriá-la para construir ruas, pontes, estádios, deixá-los ao próprio destino ou mandá-los a bairros-dormitório nas periferias das cidades. Agora, finalmente, estes pobres seriam menos visíveis e talvez se consiga desincentivá-los a vir às praias e à Zona Sul.

Mas suponhamos que alguns cabeças-duras ainda tentem transportar as pessoas no Centro por um preço acessível; nesse caso, o governo poderia proibir o transporte voluntário, alegando motivos de segurança (funciona sempre) e chamando-os de “piratas”, “clandestinos” ou “perueiros”.

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E se, por acaso, alguns desenvolvessem um espírito antigoverno, e se nestes bairros abandonados surgissem outros grupos de poder (quem diria!), imaginemos, vendendo cigarros, licores ou droga, poder-se-ia, então, proibir tudo e punir sumariamente os recalcitrantes. Afinal, com a justificativa de que as drogas fazem mal, será fácil prender jovens pais, filhos e mães, destruindo famílias inteiras e o tecido social.

Vamos supor, agora, que alguns bem-intencionados critiquem o governo e peçam uma inversão de marcha. Poderiam propor ajudar os pobres, por exemplo, com “mais educação” (um bom slogan para o horário eleitoral). Aí o governo poderia criar escolas estatais para pobres com o dinheiro dos próprios pobres, ensinando disciplinas pouco úteis para passar da miséria à classe média (Filosofia, Sociologia, Antropologia), mas muito úteis para criar súditos obedientes (leia-se “cidadãos críticos”) em lugar das únicas disciplinas com as quais pobres do mundo inteiro melhoraram de vida (Ciências, Matemática, Português). Com militantes no lugar de professores e deturpando a ciência com conteúdo ideológico, a obra é completa.

Para se fazer tudo isso, é preciso muito dinheiro, claro. A arrecadação do imposto de renda dos ricos não basta; é preciso taxar os pobres, mas com a informalidade da economia é difícil. A única solução é taxar o consumo. Aí não tem como escapar; a arrecadação do governo aumenta e talvez alguns deles nem notem. Agora qualquer aumento de gasto é financiado pelos pobres; todas as vezes em que falaremos de “gasto social” estaremos, na verdade, gastando o dinheiro dos pobres!

Qualquer referência a fatos reais é puramente casual.

Adriano Gianturco é professor de Ciência Política do IBMEC-MG.
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