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Ainda na década de 1980 foi cunhada nos Estados Unidos a expressão “grande demais para quebrar”. Essa expressão mostrava que algumas empresas, principalmente do setor financeiro, eram tão grandes e tão interconectadas com outras empresas que sua quebra poderia interferir drasticamente em todo o funcionamento da economia. Isso implicaria que tais empresas, quando em situações de fragilidade, deveriam receber do governo benefícios financeiros e outros incentivos para não quebrarem e, igualmente, não comprometerem o bom funcionamento da economia. A gama de benefícios e incentivos iria desde facilidades para a fusão até o recebimento de capital proveniente do governo.

O sistema financeiro de uma economia pode ser comparado com o óleo lubrificante de um motor. Nesse motor, o trabalho, a capacidade de organização e a inovação constituem o combustível para o seu funcionamento. No entanto, nenhum desses combustíveis colocaria o motor para funcionar se não houvesse óleo ou se o óleo estivesse deteriorado. Portanto, não basta o motor estar em plenas condições de uso e haver combustível disponível. Isso significa que o sistema financeiro tem, de fato, uma função fundamental em toda a economia. E por isso ele deve ser regulamentado, supervisionado e controlado. E é também exatamente por isso que algumas empresas desse setor são grandes demais para quebrar.

Empresas corrutas e que não agem com lisura são premiadas, enquanto empresas idôneas são simplesmente tratadas pelas regras de mercado

No Brasil, o Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional (Proer) foi um exemplo de medida adotada pelo governo para impedir que bancos acostumados a obter ganhos com a inflação quebrassem. Entre 1995 e 2000 o governo FHC destinou algo em torno de 2,5% do PIB brasileiro para socorrer bancos que hoje nem sequer existem mais.

E, no Brasil, além de algumas empresas do setor financeiro, há mais algumas empresas que são consideradas grandes demais para quebrar: as construtoras que prestam serviços ao governo federal. Segundo o governo, essas empresas, mesmo corrompendo as instituições, estabelecendo conluio para sugar o dinheiro público, constituindo lobbies, financiando campanhas políticas com obras superfaturadas, prestando serviços de qualidade questionável e abusando de toda a estrutura pública para seu próprio enriquecimento, devem ser socorridas, conforme a solução oferecida pelo governo por meio do acordo de leniência. Sem o suposto socorro, as obras públicas não seriam elaboradas, agravando ainda mais o desemprego com que a atual economia se defronta.

Empresas idôneas não teriam condições de executar obras da necessidade do governo federal, pois se sabe que elas não conseguiriam vencer licitações sem o pagamento de propinas. Por isso, essas empresas não seriam tão grandes a ponto de merecerem ser socorridas caso suas finanças passem por dificuldades.

Isso mostra uma inversão muito grande de valores: empresas corrutas e que não agem com lisura são premiadas, enquanto empresas idôneas são simplesmente tratadas pelas regras de mercado. E um aspecto mais grave não é o fato em si, mas a sinalização que isso gera à sociedade.

Essas empresas construtoras são, de fato, muito grandes para quebrar. Mas essa grandeza não está relacionada com sua dimensão física, mas com a íntima e pervertida conexão com o poder público, o que as torna corruptas demais para quebrarem. Se elas quebrarem, parte significativa dos governos quebram também.

Rodolfo Coelho Prates, doutor em Economia, é professor do Programa de Mestrado e Doutorado da Universidade Positivo e do Middlebury College.
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