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O resultado da eleição na Federação das Indústrias tem um significado que transcende a simples disputa entre o atual presidente Rodrigo Rocha Loures e o grupo governista que tentou apeá-lo do cargo sem sucesso. Muito mais do que um embate paroquial entre interesses políticos imediatos, a reeleição de Rocha Loures, nas condições em que se deu, com ampla maioria e uma maciça presença dos sindicatos associados, marca o início de ruptura de uma ligação umbilical entre o capitalismo privado brasileiro e o poder público no Paraná. Digo que é um início pois muito há de se fazer até que os papéis da representação política e sindical do empresariado, de um lado, e os papéis do governo, de outro, fiquem totalmente nítidos e separados; e no Paraná porque em outros centros empresarialmente mais desenvolvidos, como São Paulo, essa separação já é nítida há tempos.

O industrialismo brasileiro tomou, desde cedo – talvez desde 1930, quando a modernização econômica do país ganhou status de estratégia nacional – contornos muito peculiares. A indústria que operava no Brasil, ou seja as indústrias locais e também as estrangeiras que funcionavam no país, gozaram por décadas do conforto de um cobertor protecionista inigualável em nome da formação de um parque industrial e de um empresariado moderno genuinamente brasileiro. Quem não se lembra das proteções aduaneiras, tributárias, tarifárias, das quotas, dos anexos proibitórios de importações? Era como se o Brasil acreditasse mesmo que podia se isolar do resto da economia mundial, perseguir um modelo próprio cujas características principais não eram a inovação, a criatividade, a eficácia produtiva e sim o bairrismo.

Em troca, os capitalistas brasileiros aceitaram passivamente duas coisas que se revelaram malignas: a emasculação de sua capacidade de reivindicação política, o que gerou um clima de compadrio com os governantes em que os eventuais conflitos de interesses eram resolvidos nos bastidores, de maneira discreta, sem sobressaltos nem surpresas. E, ainda pior que isso, o estabelecimento de um eterno qüiproquó em que concessões de uma parte eram compensadas pelas do outro; em troca da proteção, os capitalistas privados aceitavam as interferências mais absurdas dos governantes e seus prepostos. Hoje em dia, essas coisas já foram esquecidas, mas os mais antigos se lembram da luta política que se travou durante o governo de Jayme Canet Júnior (1975 a 1979) para obter do governo federal a autorização para que a Volvo se instalasse no Paraná, pois isso contrariava frontalmente os interesses das montadoras já aboletadas no mercado nacional. Houve também a luta para acabar com excrescências como o chamado "passeio do trigo", em que a moagem do produto era um oligopólio privado protegido pelo governo que distribuía cotas de produção para determinados grupos favoritos. Isso obrigava a que, no Paraná, a maior parte do trigo colhido fosse transferida das áreas de produção para moinhos distantes centenas de quilômetros, para então retornar à sua origem como produto industrializado. Quem se atrevesse a desafiar essa proibição operando um tosco "moinho colonial" era processado criminalmente. Com a abertura do mercado brasileiro, no início dos anos 90, essas coisas começaram a mudar e a demora com que mudaram no Paraná certamente contribuiu para o desaparecimento de uma parte significativa das empresas locais de maior expressão.

A reeleição folgada de Rocha Loures, cujo opositor recebeu apoio explícito do grupo governista depois que uma manifestação do presidente da Fiep criticando as condições do porto de Paranaguá foi aparentemente tomada como insulto pessoal e familiar, mostra que o empresariado paranaense finalmente parece decidido a tirar carta de alforria e começar a demarcar seu território de ação política própria, em que inevitavelmente irá trombar com os interesses de outros grupos sociais e econômicos.

Não era sem tempo. O fato é que o Paraná necessita urgentemente retomar uma visão estratégica de sua economia industrial. É mais do que urgente que definamos e cumpramos uma agenda de política industrial que represente um avanço real sobre dois momentos no passado que não devem ser esquecidos: a política industrialista de Ney Braga, materializada com a criação do Fundo de Desenvolvimento Econômico (FDE), que provocou uma modernização do parque e da mentalidade industrial paranaense, mesmo que aos trancos e barrancos. E a política de atração industrial de Jaime Lerner, que – mesmo com imperfeições grotescas em alguns casos – colocou o estado na rota dos grandes investimentos internacionais.

As únicas coisas de que não necessitamos são pendengas paroquiais pois, enquanto nos digladiamos entre nós, a caravana da modernidade, da globalização e da terceira revolução industrial passa ao largo das terras paranaenses.

Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do doutorado em Administração da PUCPR.

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