Imagem ilustrativa.| Foto: kasto/Bigstock
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Como se sabe, a expressão ovo de Colombo, muito difundida na Europa, se refere a algo que aparentemente seria muito difícil de se realizar, mas que na prática, depois de feito, parece óbvio. Esse é o caso da solução de reserva de assentos nas instituições parlamentares para combater o déficit de representação.

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Mas a questão que se coloca é a seguinte: a medida realmente é necessária, adequada e sensata? A nosso ver, problemas complexos não se resolvem (ou ao menos não deveriam ser resolvidos) com soluções simplistas.

Em primeiro lugar, a medida seria uma intervenção drástica na vontade do corpo eleitoral, de modo a excluir, considerando o histórico de representação homens/mulheres, inúmeros personagens que certamente teriam maior adesão dos eleitores, com o propósito de perseguir uma idealizada representação paritária que, se realmente é ideal, não encontra imposição no ordenamento jurídico vigente.

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Aliás, se há algo que é cogente no sistema constitucional brasileiro é a soberania do voto e a liberdade de escolha dos eleitores, bem ainda a igualdade entre homens e mulheres em direitos e obrigações (este é o inciso primeiro do longo rol de direitos fundamentais do artigo 5.º).

De mais a mais, partindo dessa premissa de se reservar um determinado porcentual de vagas, obviamente que o sistema criaria pesos distintos para os votos de cada eleitor, a menos que se cogite uma corrida em paralelo para as vagas decorrentes do sistema de cotas, o que não deixaria, de qualquer modo, de causar certa perplexidade e um inegável incômodo pela sofisticação do modelo de escolha, a causar confusão no eleitorado.

Do ponto de vista da justiça social e histórica, é de se convir que inúmeros outros grupos minoritários são também – ou até mais – merecedores de uma previsão progressista do ordenamento jurídico, como é o caso dos negros, dos índios (os primeiros habitantes da terra brasilis) e da própria comunidade LGBT. Não teriam estes o direito de reivindicar semelhante proteção?

Como se vê, a questão pode se transmudar de ovo de Colombo para ovo da serpente, propiciando o terreno para a divisão dos parlamentos como se divide uma pizza: uma fatia destinada a cada grupo/segmento que se diz desguarnecido de proteção ou subrepresentado.

A lei eleitoral, muito sabiamente, já prevê uma reserva mínima de 30% de candidaturas com o propósito de oferecer ao eleitor a opção de candidaturas de ambos os sexos. Não podemos avançar para impor representantes, por mais nobre que seja a causa.

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Vale não esquecer que a Justiça Eleitoral já avançou para garantir o mesmo porcentual de 30% para acesso aos recursos dos fundos públicos de financiamento de campanha e também ao tempo de televisão e rádio às candidatas, o que a nosso ver é mais do que suficiente para garantir condições de disputa para as candidatas femininas.

Assim, não nos parece legítima a medida a ser imposta por um congresso ordinário de representantes, a conflitar com a liberdade de escolha que é a premissa das premissas constitucionais. Apenas uma escolha plebiscitária, com ampla discussão e participação popular, teria legitimidade para tanto: aí o próprio povo vestiria sua camisa de força.

Rodrigo Cyrineu, advogado, escritor, professor e mestre em Direito Constitucional, é membro-fundador da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep) e membro da Comissão Especial de Direito Eleitoral do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.