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Urnas eletrônicas
Urnas eletrônicas| Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Para o senso comum, para ser candidato a um cargo eletivo, basta somente decidir e lançar-se ao respectivo páreo eleitoral, sem que haja a necessidade de cumprir quaisquer formalidades prévias, sejam elas legais ou partidárias. Mas isso não é verdade.

Dentre tais requisitos preliminares, destaca-se a necessidade pela qual um pré-candidato, assim chamado enquanto não candidato de fato, deve ser “eleito”, aprovado dentro do ambiente do grupo partidário pelo qual almeja disputar a eleição para um determinado cargo eletivo. Isso porque, antes de efetivamente iniciado o período de campanha eleitoral propriamente dito, os partidos políticos reúnem seus correligionários nas chamadas convenções partidárias, e na oportunidade deliberam a respeito de quem serão os representantes lançados, quais cargos serão disputados, e ainda, se formarão ou não as coligações, que consistem na união pontual de agremiações visando apoio entre si, com o objetivo de conquistar um cargo eletivo e de melhorar o desempenho eleitoral naquele pleito.

Ou seja, nas convenções partidárias se definem as chapas de candidatos que cada partido político lançará, para que só então esses candidatos, após solicitados os seus registros de candidatura (outra formalidade prévia, de natureza legal), possam ser votados pela população país a fora.

No entanto, um problema inerente a este processo de escolha interna dos candidatos dentro do partido político, eleição após eleição, tem permanecido como assunto de enfoque por parte da Justiça Eleitoral: a cota de gênero e a fraude a tal regramento, por meio das candidaturas fictícias ou também popularmente chamadas de candidaturas “laranjas”.

O Art. 10, § 3º da Lei 9.504/97 (Lei das Eleições), dispõe que o partido político deverá lançar pelo menos 30% de candidaturas de um sexo e no máximo 70% de candidaturas do sexo oposto. Em razão da histórica baixa participação feminina na política, aspecto que felizmente vem se alterando positivamente com o passar dos anos, ficou estabelecido na prática, que a cota de 30% se daria para candidaturas de mulheres, de modo que, hipoteticamente, se um partido lançasse 100 candidatos a vereador em um determinado município, pelo menos 30 deveriam ser necessariamente candidatas.

O ponto central do problema surgiu a partir da prática fraudulenta corriqueiramente realizada pelos partidos políticos de lançarem  formalmente candidaturas femininas de modo a cumprir a determinação legal, mas que, na prática, a situação não refletia qualquer legalidade e respeito à Lei das Eleições.

Em especial nas cidades menores e interioranas do Brasil (razão pela qual o tema se torna ainda mais quente em períodos de eleições municipais), sob a falsa premissa de menor acompanhamento das autoridades, as agremiações políticas convidavam mulheres para que se lancem candidatas única e exclusivamente com o intuito de cumprir o requisito legal, permitindo chancelar, na teoria, a legalidade da chapa registrada para benefício claro das candidaturas do sexo masculino.

Esse arcabouço se revelou após a semelhança em diversos casos que chegavam à Justiça Eleitoral para análise e julgamento. Mulheres que teoricamente tinham sido candidatas, mas que na prática apresentavam elementos como votação zerada ou insignificante, baixíssima arrecadação e realização gastos de campanha, inexistência de prova de participação em comícios e eventos similares, denotavam, para o Poder Judiciário, claros indícios de atividade fraudulenta.

Em casos peculiares, inclusive, chegou-se a comprovar que mulheres ficticiamente candidatas, chegavam a trabalhar para outros candidatos, abandonando, na prática, sua candidatura. Tanto foi assim, que a partir de tais elementos gerais, o Tribunal Superior Eleitoral estabeleceu certo parâmetro jurisprudencial, de modo a caso a caso balizar o julgamento pela existência ou não de fraude à cota de gênero.

E como forma de reprimenda, a Justiça Eleitoral tem entendido que em casos onde presentes os elementos gerais acima elencados, evidenciando a existência de fraude à cota de gênero na chapa lançada pelo partido político, impõe-se a desconstituição de todos os diplomas e mandatos dele decorrentes e a anulação de todos os votos conferidos ao partido, seja nominalmente aos candidatos ou na legenda, demonstrando, assim, que todos os componentes da chapa, eleitos ou não, serão afetados.

Um dado interessante mostra que o TSE proferiu condenação em 82% dos casos a ele encaminhados a respeito de fraude à cota de gênero, na contramão da Câmara dos Deputados e sua “PEC da Anistia”, que visa o perdão de partidos que não tiverem utilizado os percentuais mínimos de financiamento de campanhas de mulheres e de promoção e difusão da participação política de mulheres.

Nas eleições municipais de 2024, os partidos políticos precisam ter como objetivo atender esse requisito legal como base ao fomento da participação feminina na política e não tão somente sob receio das reprimendas judiciais, as quais, aliás, devem ser intensificadas ainda mais pela Justiça Eleitoral de modo a coibir todas essas práticas fraudulentas, com a inclusão do tema na nova resolução do TSE sobre ilícitos eleitorais, que se encontra em discussão na Corte Superior.

Pedro de Oliveira Maschio Carboni, advogado, sócio do escritório Arraes & Carboni Sociedade de Advogados e pós-graduando em Direito Administrativo; Roosevelt Arraes, advogado, sócio fundador do escritório Arraes & Carboni Sociedade de Advogados, professor de Direito Eleitoral, mestre e doutor pela PUC-PR, doutorando em Direito Constitucional pela UFPR, membro do IPRADE, da ABRADEP e da CAOESTE, observador eleitoral internacional. É autor “Federação Partidária” (Ed. Fórum).

Conteúdo editado por:Jocelaine Santos
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