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Renan Calheiros (MDB-AL), relator da CPI da Covid-19 no Senado, afirmou que relatório final vai atribuir 11 crimes a Bolsonaro
Renan Calheiros (MDB-AL), relator da CPI da Covid-19 no Senado, afirmou que relatório final vai atribuir 11 crimes a Bolsonaro| Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senad

Em abril de 2021, por determinação do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso e em decorrência da aprovação do Requerimento 1.371/21, restou instalada no Senado Federal a CPI da Covid-19, uma Comissão Parlamentar de Inquérito Federal que visa “apurar as ações e omissões do governo federal no enfrentamento da pandemia da Covid-19 no Brasil e, em especial, no agravamento da crise sanitária no Amazonas com a ausência de oxigênio para os pacientes internados”.

Quanto ao objeto da CPI, houve a fusão de dois requerimentos: o primeiro, apresentado pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), pleiteava a investigação sobre a atuação do Executivo federal na pandemia, com atenção especial ao agravamento da crise em Manaus; o segundo requerimento foi apresentado pelo senador Eduardo Girão (Podemos-CE), solicitando que fossem apuradas possíveis irregularidades na aplicação de verbas federais pelos estados e municípios.

Acerca dos poderes conferidos à CPI, o artigo 58, §3.º da Constituição Federal é claro ao mencionar que “terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas”, anotando ainda que “sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores”. Desse modo, tais poderes (com suas respectivas ressalvas) estão voltados à investigação e instrução do inquérito legislativo, de forma que, ao fim, as conclusões serão remetidas ao Ministério Público para que este decida entre o processo e o arquivamento.

E aqui reitera-se que, embora nossa legislação seja, especialmente nos assuntos constitucionais, assinalada com clareza, no desenrolar da CPI a intervenção do STF tornou-se usual, sendo a corte a todo momento instada a se pronunciar sobre determinado tema, ainda que de solução jurídica óbvia e de jurisprudência consolidada. Isso torna a segurança jurídica a exceção e não a regra.

Nesse sentido, inicialmente, muito se discutiu a inclusão dos estados e municípios na investigação, tendo o STF se posicionado, ainda no mês de junho, pela suspensão da convocação de governadores para fins de prestarem depoimentos perante a CPI, sob o fundamento que a investigação dos demais entes da Federação acarretaria ofensa ao princípio federativo. Contudo, não é vago lembrar que havia sido reconhecida pelo mesmo STF a competência concorrente dos entes federativos (União, estados e municípios) no combate à pandemia. Assim como o ministro Alexandre de Moraes ressaltou, quando do julgamento da ADI 6.341, que “não é possível que a União queira ter monopólio da condução administrativa da pandemia. É irrazoável”, é também irrazoável que somente ações e omissões da União figurem como objeto investigativo.

Outros também foram os temas nos quais o STF manteve ou firmou posicionamento, incluindo a condução coercitiva de testemunhas (HC 203.387/DF) e a possibilidade conferida à testemunha que entender estar na condição de investigado em impetrar habeas corpus preventivo no intuito de não ser ilegalmente constrangida a depor sob o compromisso de dizer a verdade. Essas indagações surgiram exatamente porque não foram raras vezes que os parlamentares, de maneira duvidosa e proposital, confundiram o tratamento dispensado à testemunha com o do investigado.

Noutro ponto, reiteradamente tem se observado, na condução dos trabalhos pela comissão – especificamente nas inquirições –, que o manejo dos questionamentos, em inúmeras oportunidades, foge ao objeto, não se restringindo a assuntos de interesse público (nexo causal com a gestão da coisa pública), de forma que assuntos de interesse exclusivamente privado, como negócios particulares e posicionamentos políticos, são amplamente discutidos e questionados, ultrapassando, pois, a competência investigatória.

CPI não é e não precisa ser perfeita, mas não pode ser circo, não pode ser palco de disputas ideológicas e cenário de desrespeito à população brasileira.

Outra prática recorrente no ato das inquirições diz respeito à formulação de acusações por parte da Mesa em desfavor de testemunhas e investigados. Ora, à CPI são conferidos constitucionalmente poderes de investigação, sendo que os poderes de acusação competem originariamente ao Ministério Público. Não bastasse tal comportamento, de posse da imunidade parlamentar, ocorre também uma série de atos inquisitórios perpetrados pela comissão que, claramente, são incompatíveis com o Estado Democrático de Direito, desrespeitam garantias fundamentais e extrapolam os contornos do Código de Processo Penal, inclusive naqueles condizentes com as prerrogativas legais do advogado.

Indubitavelmente a crítica não se restringe apenas à conduta de determinados membros da CPI, mas se estende também àquelas testemunhas e àqueles investigados que, ao comparecerem para prestarem suas declarações, não conferem objetividade alguma aos depoimentos, apresentando comportamentos desrespeitosos e tumultuosos.

Logo, nesse contexto fático, concluímos que a CPI não é e não precisa ser perfeita, mas não pode ser circo, não pode ser palco de disputas ideológicas e cenário de desrespeito à população brasileira, às instituições, aos investigados/testemunhas, aos membros e às regras delineadas pela legislação. O espetáculo coloca em jogo a credibilidade de uma ferramenta constitucional que deve, também em respeito às inúmeras vítimas da pandemia, ser tratada com a seriedade e a transparência que é devida à gestão da coisa pública e ao Estado Democrático de Direito.

Caroline Bauer é advogada e autora de artigos jurídicos.

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