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Embora seja uma realidade tanto nos Estados Unidos quanto na União Europeia – mesmo que mais recente no caso da última –, as ações indenizatórias buscando o ressarcimento por danos decorrentes de cartel sempre foram objeto de pouca atenção no Brasil. O cenário, no entanto, tem mudado nos últimos anos e recentes decisões indicam o robustecimento da prática no país.

Seja por meio do incentivo ao uso de instrumentos de justiça negociada, com os chamados Acordos de Leniência e Termos de Cessação de Conduta (TCC), seja por meio dos investimentos em estrutura física e humana da autarquia, fato é que o Cade passou de um modesto corredor alocado no prédio do Ministério da Justiça para se tornar um ator público relevante na tomada de decisões dos empresários brasileiros. O resultado de tais medidas foi a melhoria do nível das decisões, com provas mais robustas e redução da incerteza quanto ao envolvimento dos condenados nas infrações anticompetitivas, e também o aumento das multas impostas pela autarquia, em especial para punir a prática de cartéis.

Mas a imposição de pesadas multas às empresas não garante o ressarcimento do prejuízo aos prejudicados, uma vez que a sua função não é ressarcitória. Esse papel é cumprido pelas denominadas Ações de Reparação por Danos Concorrenciais (ARDCs), que permitem o ressarcimento às pessoas físicas e jurídicas que, por exemplo, adquiriram os produtos com o preço artificialmente inflado, seja de maneira direta ou indireta, pelo cartel.

Sem o pagamento da devida indenização aos prejudicados, o cartel continua sendo um bom negócio

Sem o pagamento da devida indenização aos prejudicados, o cartel continua sendo um bom negócio, posto que, mesmo com a aplicação de multas, vultosas parcelas de dinheiro permanecem com os praticantes do cartel, favorecendo ainda mais a ideia de que o cartel é um crime que compensa. Por isso as ARDCs têm interessante função dissuasória contra a prática de cartéis, se não fundamental – não no sentido de exclusão ou diminuição da importância das punições criminal e administrativa, mas no sentido elemento complementar essencial.

A cobrança das indenizações é altamente efetiva no combate aos cartéis, pois geralmente os valores são muito mais elevados que as multas pagas e não há como se estimar, antes da formação do cartel, qual será o valor pago no momento da eventual condenação dos infratores. Em realidade, se viabilizada a plena indenização dos prejudicados, mesmo que apenas dos danos materiais emergentes, torna-se impossível que o saldo do cartel seja positivo. Assim, ou os cartelistas terão trabalhado em vão, sem lucrar nada, ou terão prejuízo, pois, além de devolverem tudo o que obtiveram ilegalmente, ainda pagarão pelo custo de operação do cartel e eventuais multas ou demais danos (lucros cessantes ou imateriais).

Para que seja calculado o valor da indenização devida pelos prejuízos gerados pelo cartel, primeiro é necessário isolar cada uma das lesões geradas e calcular os prejuízos aferidos pelos compradores. Além do sobrepreço cobrado pelo cartel, que corresponde a um prejuízo controlado, na medida em que o valor recebido pelo fornecedor é o mesmo pago pelo comprador direto, tem-se a restrição ao desenvolvimento natural do mercado e a diminuição geral do bem-estar social. Esses dois últimos prejuízos são de difícil avaliação, mesmo depois do encerramento das atividades do cartel, pois não guardam correspondência com os ganhos obtidos pelos infratores.

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O que se pode analisar da crescente iniciativa de pedidos de indenização é que o primeiro e principal dos pontos sobre os quais os tribunais brasileiros terão de se debruçar para definir o rumo da efetivação de tal tipo de ação no país é a discussão sobre a prescrição, algo muito controverso porque os cartéis são, por definição, acordos secretos (além de ilícitos) e, portanto, não há como saber da sua existência até que o cartel seja descoberto pelas autoridades. Em geral, no mundo todo, os cartéis costumam ser descobertos apenas cerca de cinco anos após o encerramento de suas operações. Portanto, não há qualquer lógica para que a contagem do prazo prescricional se inicie na data da ocorrência do fato, ou seja, quando o cartelista cobrou do comprador mais do que deveria pelo seu produto.

De fato, a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), órgão que concentra cerca de 70% das ações atualmente existentes sobre o tema no Brasil, se posicionou recentemente sobre o tema da prescrição para o Cartel do Cimento (confirmando outra decisão já proferida anteriormente no mesmo sentido sobre o investigado Cartel dos Gases Industriais), e determinou que a contagem do prazo ocorre a partir da publicação da decisão final do Cade. Esse é o momento em que ocorre a ciência aos prejudicados da existência do cartel e de seus participantes; tal posicionamento ainda confirma a aplicação da teoria da actio nata, já amplamente aceita pelos tribunais superiores.

Nesse sentido, confirmando-se tal posicionamento pelos demais tribunais do país – e até mesmo do próprio TJSP, posto ainda estar pendente julgamento de um Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) sobre o mesmo tema –, ter-se-á dado um grande passo na direção de assegurar o direto aos consumidores e demais prejudicados da sociedade brasileira para buscarem a indenização por seus prejuízos. Resta, agora, apenas aguardar que os consumidores (e todos os demais prejudicados) busquem cada vez mais garantir seus direitos e exijam a reparação pelos prejuízos que sorrateiramente lhe são constantemente impostos.

Bruno Oliveira Maggi, advogado especialista em Direito Concorrencial, é autor de “Cartel – Responsabilidade Civil e Concorrencial”.
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