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O adolescente R., 17 anos, foi preso recentemente por estrangular a própria mãe, em seu apartamento no Morumbi, bairro nobre de São Paulo. Alguns dias antes, Gil Rugai, acusado de matar o pai e a madrasta, havia conseguido liberdade provisória, e Suzane Richthofen, que confessou ter tramado a morte do pai e da mãe, retornou à prisão. A sociedade assiste, atônita, a uma sucessão de crimes ocorridos no âmbito de famílias de classe média e média alta. A violência, brutal e cruel, não está somente nas ruas das grandes cidades. Ela está oculta sob a fachada de lares comuns e correntes. Vítimas e criminosos têm o mesmo sobrenome. O inimigo, estranho paradoxo, mora em casa.

O mais recente capítulo da novela macabra foi protagonizado por um rapaz que estudava em colégio particular, praticava tênis e xadrez. Segundo depoimentos de professores e vizinhos, R., lutador de jiu-jítsu, era um rapaz normal. Adorava praticar esportes, mas não gostava de estudar. Seu perfil, marcado pelos traços típicos da adolescência, não se diferenciava de milhares de jovens de sua idade.

R., confirmando a regra do comportamento adolescente, vivia às turras com sua mãe. Até aí, normal. Nada que não se enquadre nos moldes da crise da puberdade. Minha mãe, uma mulher de grande sabedoria, definia essa fase da vida como a "idade do flagelo." Paciência, firmeza e carinho, dizia ela, abreviam o ciclo do terremoto. O depoimento de R. ao delegado, no entanto, desnudou o cerne da tragédia: o vazio afetivo.

Às seis horas da manhã do sábado, 22 de abril, mãe e filho tiveram a sua pior briga. Acostumada a freqüentar bares e boates, Zeli Boeira de Abreu chegou em casa por volta das quatro da madrugada. Cerca de duas horas mais tarde, despertou com barulho de descarga no banheiro. Era R., que acordara fora de hora. Zeli irritou-se ao ter o sono interrompido. Mãe de três filhos, ela havia deixado os dois menores passar o fim de semana com o pai. Foi até a cozinha e pegou uma faca, atravessou a sala e entrou no quarto do filho. Ali, ordenou ao rapaz para que deixasse imediatamente o apartamento. Ambos se atracaram. O matricídio se consumou.

Como é que chegamos a isto? A interrogação está subjacente em inúmeras cartas e e-mails de leitores que, atordoados, tentam encontrar resposta para a escalada de crueldade que invadiu o cotidiano. Não quero julgar ninguém. Mas meu feeling profissional indica a presença de um elo que dá unidade a esses dramáticos episódios: a ausência de afeto verdadeiro. Desequilíbrios e patologias independem da boa vontade de pais e filhos. A regra, no entanto, mostra que o crime hediondo costuma ser o fecho de um silogismo que se fundamenta nas premissas do egoísmo e da ausência. A desestruturação da família está, de fato, na raiz da tragédia. Se a escalada de crimes em família deixa algo claro, é o fato de que, cada vez mais, pais não conhecem os seus filhos (e filhos também não se interessam por seus pais e avós). Na falta do carinho e do diálogo, os jovens crescem sem referências morais e âncoras afetivas. Recebem boas mesadas, carros e viagens. Mas, certamente, trocariam tudo isso pela presença dos pais.

Falta de limites e crise de autoridade estão na outra ponta do problema. Transformou-se o prazer em regra absoluta. Cada vez mais o gosto e o capricho passaram a impor sua força cega. O sacrifício, a renúncia e o esforço, realidades inerentes ao cotidiano de todos nós, foram expurgadas. A demissão dos limites e a supressão de qualquer vestígio de autoridade (dos pais, da escola e do Estado) geram a barbárie. A responsabilidade, conseqüência direta e imediata dos atos humanos, simplesmente desapareceu. Em todos os campos. O político ladrão e aético não vai para a cadeia. Renuncia ao mandato. Princípios são lançados no lixo em nome da governabilidade e do pragmatismo político.

A sociedade precisa de um choque de bom senso. O crime em família, suprema aberração, já não está somente nas telas dos cinemas. Está batendo às portas das casas de um Brasil que precisa regatar os valores e as instituições básicas da sociedade.

Carlos Alberto Di Franco é diretor do Master em Jornalismo, professor de Ética, doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra e diretor da Di Franco – Consultoria em Estratégia de Mídia.

difranco@ceu.org.br

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