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“Foque somente em boas energias!”; “Treine a sua mente para ver o lado bom da vida e saia da sua zona de conforto!”; “Coisas boas só acontecem pra quem acredita!”. Essas frases que muito provavelmente já apareceram em algum momento no seu feed do Instagram ou Facebook são muito belas na teoria, mas o que elas representam, na prática, pode ser demasiadamente danoso à sua saúde mental. Tais sentenças se tornam cada vez mais populares concomitantemente ao momento em que a positividade tóxica toma conta de nosso cotidiano; mas, você sabe o que é positividade tóxica? A positividade tóxica é um novo termo para um fenômeno já bem conhecido, que foi potencializado pelas redes sociais e contribui para o aumento do mal-estar em nossa civilização.

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Antes de tudo, deve-se enfatizar que a positividade tóxica é um fenômeno distinto do otimismo. Entende-se que o otimismo é uma disposição individual para dar ênfase aos aspectos positivos de eventos do cotidiano, em detrimentos de seus aspectos negativos. Além disso, o otimismo se caracteriza pelo esforço de objetivar e buscar um desfecho favorável as situações adversas. Tudo isso é feito sempre com os pés na realidade, pois, caso contrário, isso deixa de ser otimismo e vira apenas idealização ou fantasia. A partir disso, cabe o questionamento: se a positividade é tão boa, como ela pode ser tóxica? Então, a positividade tóxica começa a criar forma justamente pela imposição da obrigatoriedade do pensamento positivo e pela crença de que, apenas pela ação do pensamento, toda a realidade será modificada e coisas boas serão atraídas a você. Na positividade tóxica, você não pode demonstrar fraqueza, reclamar da sua vida ou permitir-se demonstrar e viver experiências de tristeza, medo ou raiva. Todavia, essa esquiva aos sentimentos e experiências negativas é extremamente arriscado, pois viver dessa forma pode causar danos tanto à sua saúde psíquica quanto à saúde de suas relações sociais. Por exemplo, no âmbito individual, quanto mais ignoramos os nossos sentimentos negativos, mais perdemos a capacidade de reconhecê-los e lidarmos com eles. Já, no âmbito social, quando “ignoramos” os sentimentos negativos e queixas de amigos, parentes e colegas, de modo a pedir para que eles foquem apenas no lado positivo de sua vivência, nós deixamos de praticar a empatia – que é um critério básico e imprescindível para a saúde de quaisquer tipos de relações sociais.

É muito comum encontrarmos parentes, amigos ou colegas que se sentem esmorecidos, ansiosos ou frustrados por não conseguirem alcançar a utopia vendida pela positividade tóxica, que é encontrada em frases como “trabalhe enquanto eles dormem e alcance o sucesso!”. Nós mesmos não estamos imunes a isso, pois podemos nos sentir insuficientes porque não somos tão produtivos quanto nosso colega do LinkedIn ou porque a nossa vida não é perfeita como a vida da digital influencer preferida. Essas vidas de redes sociais muitas vezes nem parecem ser reais e (quer um spoiler?) de fato elas não são! Por trás de vidas sublimes do Instagram, há uma equipe de profissionais que utilizam das redes sociais para filtrar os acontecimentos ruins e ordinários de suas vidas e construírem a sua imagem da melhor maneira possível. Tudo que citei até aqui pode ser enquadrado na positividade tóxica e, atualmente, essa linha de pensamento é bastante disseminada por uma pequena parcela – não todos! – de coaches, digital influencers e manuais de autoajuda.

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E o que estes três têm em comum? Todos eles oferecem respostas fáceis a problemas extremamente complexos da experiência humana. Tais gurus ofertam diversas receitas de bolo e frases genéricas, que prometem levar seus clientes a alcançar o sucesso profissional, o bem-estar pessoal e a felicidade plena. Entretanto, caso você não os alcance, a culpa é toda sua, pois foi você que não conseguiu seguir à risca esse manual utópico. Mas, o que podemos fazer? Cada época tem os seus próprios sofistas e basta perscrutarmos o desenvolvimento sócio-histórico-cultural da humanidade para perceberemos que o charlatanismo não se originou na contemporaneidade.

Contudo, voltando aos manuais de autoajuda, citarei apenas um: o esplendoroso best-seller O Segredo, de Rhonda Byrne – que pode ser arbitrariamente considerado a inauguração da positividade tóxica. O livro, como todo bom livro de autoajuda, fez jus ao seu nome, pois ajudou principalmente aquele que o escreveu – hoje, depois de décadas do lançamento do livro, a autora possui um patrimônio multimilionário. O conteúdo do livro é interessante e não deve ser totalmente desvalidado, mas a maior crítica a ele se dá na construção de uma narrativa na qual o indivíduo possui total controle da realidade – ora, sejamos francos, isso está longe de ser verdade. Basta considerarmos a situação de pandemia que estamos vivendo devido à Covid-19: nós podemos modificar o modo como percebemos a realidade, mas o Sars-CoV-2 não deixará de existir se pensarmos positivo o suficiente. Isto é, embora o pensamento positivo seja importante para nos mantermos saudáveis em períodos de incertezas, é a nossa ação que modificará a realidade.

É claro que a nossa vida é feita de picos e vales e, ao invés de buscarmos uma vida 100% positiva, devemos também valorizar e viver as experiências de dor e de infortúnio; pois, caso contrário, poderemos padecer emocionalmente numa perspectiva de longo prazo. Baseando-se em estudos de Carl Jung sobre os arquétipos e O Mal-Estar na Civilização, de Sigmund Freud, pode-se perceber que momentos de melancolia são extremamente importantes para nos fortalecermos emocionalmente, reconhecemo-nos melhor e analisarmos a realidade de maneira mais profunda.

Tais situações ficam claras na prática: quando estamos melancólicos conseguimos analisar os nossos sentimentos e as situações da vida com uma profundidade muito maior quando comparado a situações nas quais estamos alegres, estonteantes e extravagantes. Outrossim, podemos nos inspirar pela filosofia chinesa e questionar: o que seriam os momentos de alegria em nossa vida se não tivéssemos as experiências tristes para compararmos? Tais vivências podem ser analisadas na perspectiva Yin-yang, como forças fundamentalmente opostas, que se complementam (fogo e água; luz e escuridão; dia e noite etc.). Negar ou evitar tais experiências aversivas pode ser um grande erro, pois, quanto mais evitamos os nossos monstros, mais eles se fortalecem e, cedo ou tarde, eles nos farão uma visita. Todavia, é preciso enfatizar que experiências de dor e infortúnio são diferentes de casos graves de transtornos depressivos, bipolares, de ansiedade etc. Pessoas que estejam vivenciando estes quadros devem ser encaminhadas ao tratamento com profissionais especializados (psicólogos; médicos; psiquiatras).

Para evitarmos a disseminação da positividade tóxica, não há respostas prontas, mas há algumas dicas que podemos seguir, tais como: valorizar os momentos inoportunos de nossas vidas, reconhecer as nossas limitações, evitar comparações com outrem e prezar pela nossa saúde mental, sempre com a ajuda de profissionais especializados para isso. Todo esse processo é contínuo, subjetivo, com picos e vales e cada pessoa encontrará a sua forma de vivenciá-la.

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E, por fim, assim como disse em 2017 em meu outro artigo publicado também aqui na Gazeta do Povo “É possível separar a imagem pessoal da profissional?”, hoje é evidente que as redes sociais causaram um impacto significativo em nossas relações sociais e trouxeram modificações irreparáveis no contexto micro e macrossocial. Diversos fenômenos que já ocorriam anteriormente foram impulsionados e potencializados pelo ambiente digital e o fenômeno da positividade tóxica é mais um deles.

Felipe Zaranski é graduado em Marketing pela Universidade Positivo (UP); atualmente cursa Psicologia (UP) e é gestor da Zaara Marketing.