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Se a presidente Dilma Rousseff pretendesse levar ao plenário do fórum de Davos os dilemas que efetivamente empolgam e sacodem a mídia e a sociedade brasileira, teria apenas duas opções: o desfecho da telenovela Amor à Vida e a fenomenologia dos rolês.

O telefolhetim vive seus derradeiros momentos; logo ficará decidido se o crime compensa, se o pecador confesso merece reabilitação, se o amor triunfa e a vida é mais forte do que a morte. Irresolvidos nos últimos 5 mil anos e certamente mantidos nos próximos, ficamos reduzidos à transcendente e palpitante controvérsia dos rolês, rolezinhos ou rolezaços, independentemente das dimensões e designações conferidas.

Adquirimos uma incrível velocidade para perceber movimentos depois de 500 anos de complacência e inação. Embora próximos do Equador, conseguimos desenvolver inesperadas aptidões para fabricar bolas de neve, nem sempre fofas e inofensivas.

Em apenas três semanas, os rolês deixaram de ser um tipo de bife enrolado ou movimento de capoeira para ganhar status de divisor de águas sociopolítico: é direito ou ameaça? Avanço ou retrocesso? Movimento social ou vandalismo desagregador? Felizmente esvaziados pelo recesso, nossos legislativos pouparam-se da compulsão de legiferar, seja proibindo os eventos ou promovendo um calendário oficial com farta distribuição de prêmios aos mais inovadores.

O que não impediu a fulminante consolidação de facções, tribos e seitas contra e a favor, vermelhas ou azuis, golpistas e antigolpistas, repressoras ou desenvolvimentistas, excludentes e includentes, sustentáveis ou predadoras, tucanas ou petistas. O infalível e venerando motor chamado Fla-Flu voltou a funcionar e acionou nossas fúrias e a inclinação polarizadora.

Uma indignação mal administrada elimina a racionalidade, paralisa a capacidade de buscar opções intermediárias, invalida a independência e contamina o bom senso. Nos últimos dias, enquanto se digladiavam os partidos pró e contra rolês, noticiou-se que uma poderosa empresa de shoppings investiu R$ 300 milhões numa gigantesca área em Nova Iguaçu, na famigerada Baixada Fluminense, para construir um gigantesco centro de compras.

Rolezeiros (ou roleiros?) não estão a fim da luta de classes, querem ser admitidos como consumidores. Das liberdades instituídas nos regimes democráticos contemporâneos, a mais eficaz é a de comprar. Com cartão, cheque, a vista ou a prazo, os jovens da periferia querem ser admitidos no exclusivo clube das compras. Que, aliás, necessita deles. Em vez de pedir providências ao governo federal para impedir rolês, os empresários do setor deveriam atrair potenciais fregueses com promoções. No lugar de bilionários apresentadores de tevê protagonizando chatíssimos comerciais, seria mais eficiente e rentável contratar um frequentador de rolês para oferecer produtos e serviços. Teria mais credibilidade.

Rolês são passíveis de infiltrações de vândalos, assim como restaurantes são vulneráveis a "arrastões"; nem por isso criam-se barreiras aos seus frequentadores.

A verdade é que as nossas polêmicas poderiam ser travadas em águas mais profundas. Só assim aprenderemos a nadar e crescer.

Alberto Dines é jornalista.

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