O que aconteceu no Paraguai foi golpe. Branco, sujo, engravatado, ou mascarado, mas golpe – interrupção no Estado de Direito, intervalo nas garantias democráticas, trancamento do sistema representativo.

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Fernando Lugo não foi um chefe de Estado competente, nem respeitável, mas em nenhum momento do seu mandato o Estado paraguaio ficou em perigo, ameaçado. Nas próximas eleições seria inapelavelmente julgado pelos eleitores, não se justificava a antecipação do veredicto. O fulminante impeachment votado pelo Legislativo – ainda que endossado pelo Judiciário – equivaleu a um putsch. Significa que o processo que derrubou um presidente constitucional e o substituiu pelo legítimo sucessor foi burlesco. Ruptura rigorosamente ilegal, viciada, condenável.

O sistema interamericano falhou ao deixar de reconhecer a irregularidade. Em Mendoza, nesta sexta-feira, na reunião do Mercosul, a presidente argentina, Cristina Kirchner, classificou o golpe paraguaio como "suave". Esta é uma constatação penosa e agourenta. A América Latina embarca novamente na aventura relativista – aparentemente amena e cordial – esquecida dos sacrifícios impostos a pelo menos uma geração para recuperar a integridade dos valores democráticos. Voltamos ao sistema das ambiguidades, dos meios-tons, indulgências e pecados perdoáveis.

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Está no DNA do subcontinente: ao transigir com os golpistas paraguaios, suas entidades transnacionais estão avisando que também poderão transigir com as estrepolias caudilhescas de Hugo Chávez (agora premiado com o título de membro pleno do Mercosul). Confirmada a gravidade da sua doença, o líder venezuelano vem se mostrando legitimado para levar adiante suas pequenas e suaves transgressões aos paradigmas democráticos.

O repúdio ao golpe paraguaio não pode ser entendido como apelo a sanções contra o governo do Paraguai. Este tipo de penalidade até ajuda os transgressores, convertendo vilões em vítimas. Trata-se de consagrar – a palavra certa seria santificar – valores políticos e morais capazes de transferir para esta parte do Novo Mundo a herança humanista à qual tivemos acesso limitado.

As falhas e senões no desempenho presidencial de Fernando Lugo não podem esconder o seu cuidado em evitar derramamento de sangue à saída. Enquanto os derrubadores comportaram-se latino-americanamente, o derrubado agiu serena e responsavelmente. Estava isolado, é verdade, mas os governantes solitários costumam ser os mais delirantes.

Lugo não cedeu à tentação do vale-tudo: entrou como democrata, e mesmo traído e escorraçado, saiu como democrata. Dos seus sucessores não se pode dizer o mesmo. Dos ex-colegas na região esperava-se um pouco mais de solidariedade. Os vencidos sempre têm muito a ensinar aos vencedores.

Alberto Dines é jornalista.

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