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Um estado sem Defensoria Pública como o nosso impõe de maneira perversa uma subcidadania aos mais carentes, pois deixa de concretizar a defesa de seus direitos

Ao contrário do que muitos levianamente dizem por aí, a Defensoria Pública não serve simplesmente para defender bandidos ou tirar da cadeia os que já cumpriram suas penas. É verdade que nos dias atuais se constata uma situação caótica no sistema carcerário do Paraná, que exige uma intervenção imediata dos poderes públicos no sentido de se verificar a necessidade de privação da liberdade das pessoas que lá se encontram esquecidas e que são tratadas diariamente de maneira desumana. Contudo, é reducionista demais imaginar que os defensores públicos têm como única missão trabalhar para diminuir a superlotação das penitenciárias e delegacias de polícia. Sem dúvida, esse é um de seus compromissos, que igualmente deveria ser dos integrantes do Poder Executivo, da magistratura, do Ministério Público e da OAB.

A Defensoria Pública tem um papel importantíssimo na efetivação dos direitos individuais e coletivos da população carente organizada ou não na forma de movimentos sociais, que vai desde a proposição judicial de demandas para assegurar direitos individuais de saúde, família, consumidor e sucessões, até a proposição de ações civis públicas para garantir direitos coletivos de habitação, de meio ambiente, do consumidor, urbanísticos e de saúde. Nesses casos, o defensor público pode exercer ainda a função de conciliador, promovendo acordos extrajudiciais de ajustamento de conduta para evitar a judicialização das demandas de tal natureza e fornecer uma solução rápida para os problemas que atingem a coletividade. Além disso, esse órgão também cuida da defesa dos adolescentes em conflito com a lei e dos direitos das mulheres vítimas de violência doméstica, bem como de todos os demais direitos fundamentais daqueles que não podem contratar um advogado.

Diante disso, é inevitável concluir que um estado sem Defensoria Pública como o nosso impõe de maneira perversa uma subcidadania aos mais carentes, pois deixa de concretizar a defesa de seus direitos ou trata de relegá-la aos poucos abnegados advogados contratados pela administração pública, integrantes dos núcleos de prática jurídica das universidades e aos defensores dativos, todos sem garantia de uma remuneração condizente com sua função, sem uma carreira que lhes assegure prerrogativas para uma atuação independente e sem uma fiscalização efetiva e regulada de seu trabalho.

Isso significa que a criação emergencial de 150 cargos de assessores jurídicos temporários proposta pelo governo do Paraná para atuar nas penitenciárias e tentar diminuir nossa população carcerária, que é uma das maiores do Brasil, não causa alívio nenhum àquele grande contingente de paranaenses sem acesso à Justiça para defesa de seus direitos fundamentais. Por óbvio, não se pode aceitar uma tímida medida paliativa como essa em substituição ao cumprimento da Constituição, faz-se necessário reivindicar com firmeza a criação imediata de uma Defensoria Pública para atender a população sem condições de pagar advogado e os movimentos sociais constantemente discriminados, sob pena de subserviência aos interesses daqueles que por algum motivo lucram com o desamparo dos economicamente hipossuficientes e com a superlotação do sistema carcerário.

Ademais, o ato do governo do Paraná de retirada de pauta do projeto de lei que visava à criação desse órgão significou um passo atrás no caminho das conquistas democráticas e deve ser tomado como mais um indicativo de que não se pode esmorecer na luta pela implementação em nosso estado de uma Defensoria Pública independente, imune às ingerências políticas e com recursos para lutar contra a violação dos direitos dos cidadãos e dos movimentos sociais.

Clara Maria Roman Borges, advogada, é integrante do Movimento Pró-Defensoria Pública do Paraná, professora adjunta de Direito Processual Penal da UFPR, coordenadora do Núcleo de Direito Processual Penal da UFPR, mestre e doutora.

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