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Paul Johnson, brilhante historiador britânico, é um dos grandes intelectuais da atualidade. Seus textos são afiados e provocadores. Dono de uma cultura invejável e sinceridade cortante, Johnson não sucumbe aos clichês vazios. Em seu livro Os Heróis, destaca a importância das lideranças morais. "Os heróis", diz Johnson, "inspiram, motivam. (...) Eles nos ajudam a distinguir o certo do errado e a compreender os méritos morais da nossa causa". Os comentários de Johnson trazem à minha memória um texto que exerceu forte influência no rumo da minha vida: "Amar o mundo apaixonadamente", homilia proferida por São Josemaria Escrivá, primeiro grão-chanceler da Universidade de Navarra, durante missa no câmpus daquela instituição.

Propunha, naquela homilia vibrante e ousada, "materializar a vida espiritual". Queria afastar os cristãos da tentação "de levar uma espécie de vida dupla: a vida interior, a vida de relação com Deus, por um lado; e, por outro, diferente e separada, a vida familiar, profissional e social, cheia de pequenas realidades terrenas". O Cristianismo encarnado nas realidades cotidianas: eis o miolo da proposta de São Josemaria. "Não pode haver uma vida dupla, não podemos ser esquizofrênicos, se queremos ser cristãos", sublinha. E, numa advertência contra as manifestações de espiritualismo mal entendido e de beatice, é taxativo: "Ou sabemos encontrar o Senhor na nossa vida de todos os dias ou não o encontraremos nunca".

"A vocação cristã consiste em transformar em poesia heroica a prosa de cada dia." A vida, o trabalho, as relações sociais, tudo o que compõe o mosaico da nossa vida é matéria para ser santificada. São Josemaria, um santo alegre e otimista, olha a vida com uma lente extremamente positiva: "O mundo não é ruim, porque saiu das mãos de Deus". O autêntico cristão não vive de costas para o mundo, nem encara o seu tempo com inquietação ou nostalgia do passado. "Qualquer modo de evasão das honestas realidades diárias é para os homens e mulheres do mundo coisa oposta à vontade de Deus." A luta do nosso tempo, com suas luzes e sombras, é sempre o desafio mais fascinante.

O pensamento de São Josemaria, apoiado numa visão transcendente da vida e, ao mesmo tempo, com os pés bem fincados na realidade material e cotidiana, capta plenamente a contextura humana e ética dos acontecimentos. Ele tem, no fundo, a terceira dimensão: a religiosa e ética – e só com esse foco é possível entender plenamente o mundo em que vivemos. Na verdade, o esgotamento do materialismo histórico e a crescente frustração do consumismo hedonista prenunciam uma mudança comportamental: o mundo está sedento de liberdade, mas nostálgico de certezas.

Articular verdade e liberdade é, talvez, um dos mais interessantes recados de São Josemaria. Insurge-se vigorosamente contra o clericalismo que se oculta na mentalidade de discurso único, na injusta dogmatização de coisas legitimamente opináveis. São Josemaria afirma que um cristão não deve "pensar ou dizer que desce do templo ao mundo para representar a Igreja", nem que "as suas soluções são as soluções católicas para aqueles problemas". Por defender esse pluralismo, sofreu incompreensões, até de algumas pessoas da Cúria Romana, que entendiam, por exemplo, que na Itália os católicos tinham o dever de votar na Democracia Cristã.

São Josemaria não deixa de enfatizar o valor insubstituível da liberdade – particularmente a liberdade de expressão e de pensamento – contra toda forma de intolerância e sectarismo. Para ele, o pluralismo nas questões humanas não é algo que deve ser tolerado, mas amado e procurado.

"Amar o mundo apaixonadamente" não é apenas um texto moderno e forte. Sua mensagem, devidamente refletida, serve de poderosa alavanca para o exercício da nossa atividade profissional. A todos, feliz Natal!

Carlos Alberto Di Franco, doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, é diretor do Departamento de Comunicação do Instituto Internacional de Ciências Sociais (Iics).

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