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O Hamas palestino só acreditava na violência e conquistou o poder pelo voto. Evo Morales, socialista, antiimperialista, anticapitalista e, mesmo sem gravata, recebeu a frondosa faixa presidencial boliviana graças à arma elementar da decadente democracia burguesa – eleições livres.

Empurrado pela força do debate franco e aberto, o Fórum Social Mundial em Caracas volta-se contra seu mecenas, o presidente Hugo Chávez, e o populismo das esquerdas latino-americanas. Na Montanha Mágica, em Davos, quem desbanca o totalitário tigre chinês é a Índia, herdeira de Ghandi, a maior democracia do mundo.

Qual a nossa parte neste inesperado festival democrático armado pelos caprichos da história? Pífio, vexatório. O voto da Câmara dos Deputados pelo fim da verticalização das alianças partidárias e a favor do vale-tudo eleitoral foi um desastre. E, como os piores desastres, insidioso, quase invisível. Porém metastático.

A aprovação em primeiro turno da emenda constitucional que libera e consagra a promiscuidade partidária não aconteceu por acaso, não foi um cochilo da Mesa ou das lideranças políticas. Foi uma conspiração maturada em silêncio, engendrada pelo que de pior existe na política brasileira – caciques nacionais, coronéis regionais, a fauna das legendas de aluguel e o oportunismo dos grandes partidos. Não escapa ninguém – do presidente da República aos deputados petistas que novamente traíram suas convicções, dos emplumados tucanos que se agarraram à verticalização em 2002 e agora a abandonam sem qualquer escrúpulo, dos peemedebistas "autênticos" aos de araque.

O fim da verticalização contradiz tudo o que aprendemos nos últimos 50 anos a respeito da dinâmica ou, se preferirem, da imanência do aperfeiçoamento democrático. A melhoria da democracia através da própria democracia era um elemento fundamental de uma equação que vem sendo intensamente discutida desde o fim do século XVIII.

Na última quarta-feira, desassombrados, mostramos ao mundo que uma democracia pode se autodestruir. Degenerar por livre e espontânea vontade. Atear fogo às vestes. Suicidar-se. Cheios de orgulho, mostramos ao mundo que o vergonhoso segundo semestre de 2005 não foi entendido nem digerido. Na verdade ele não aconteceu, foi uma miragem.

Nossos deputados mostraram que precisamos de novos valeriodutos, mais caixa 2, outros trambiques, cuecas dolarizadas e malas com dinheiro vivo.

Quando candidato, Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que havia 300 picaretas na Câmara, mas na quarta-feira este número pareceu estranhamente inflado para 343. Pragmático, o futuro presidente do TSE, ministro Marco Aurélio de Melllo, antecipa o seu voto e declara válido o fim da verticalização porque esta foi a posição adotada em 1998. Confessa em sã consciência que, ao invés de avançar, regredimos.

A emenda constitucional aprovada em primeiro turno (com chances mínimas de ser derrotada no segundo turno) é um grosseiro remendo, indelével, desses que a mais hábil cerzideira jamais conseguirá disfarçar. Bono Vox, de óculos cor de rosa, disse em Davos que "o Brasil é a extremidade sexy do catolicismo". Não poderia oferecer um diagnóstico mais arrasador.

A surpreendente vitória eleitoral do Hamas nos territórios palestinos pode, paradoxalmente, representar o fim do terrorismo como arma política – o voto foi mais eficaz do que o assassinato em massa. O triunfo de Evo Morales pode mostrar que não adianta convocar uma ex-empregada doméstica para o Ministério da Justiça se não houver uma virada efetiva na mentalidade de uma nação condenada injustamente ao isolamento.

A democracia é, antes de tudo um encontro com a verdade. Impulso, centelha, fagulha. Ou estalo de espelho partido.

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