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Reforma ministerial - Falta de Orçamento aprovado para 2021 aumenta incertezas fiscais em relação ao Brasil e coloca em risco a nota de crédito do país. Congresso
Congresso Nacional| Foto: Pedro França/Agência Senado

Não estou aqui a questionar a justificativa legislativa para a adoção da reforma; afinal de contas, a ninguém é dado se opor à tentativa de modernizar o Estado ou aproximar o serviço público da realidade do país – tal como se aponta na Proposta de Emenda Constitucional 32/20. Desejo apontar, unicamente, incongruências técnicas, formais e políticas da PEC, resultando na sua incompatibilidade com a sociedade civil e com a própria Carta Magna.

Em primeiro lugar, é certo que a PEC tem por objeto apenas e tão somente as disposições relativas a servidores e empregados públicos, razão pela qual os juízes estão excluídos da reforma, eis que esses são agentes públicos. Com efeito. A regra é clara, na medida em que servidor público é aquele que ocupa cargo público mediante aprovação em concurso público ou cargo em comissão, estando sujeito, nas suas funções, ao poder hierárquico.

De outra parte, agente político – aí se incluem os juízes – se caracteriza pelo exercício das atividades básicas estatais (administrar, legislar e julgar), sujeitando-se a regime jurídico diferenciado que lhe assegure a independência funcional: sua função exige essa garantia da sociedade, a fim de que julgue de maneira independente todos os casos que lhe são submetidos. Para exame dessa matéria é oportuno rememorar que o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Recurso Extraordinário 228.977, e o Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar o Recurso Especial 1.191.613/MG, foram claros ao enquadrar os juízes como agentes políticos.

Já no que concerne à independência, é inegável que foi ao Poder Judiciário que coube a atribuição de substituir a vontade das partes para solucionar os conflitos de interesses, com força de definitividade. Por essa função – que não objetiva e nem poderia ter a preocupação de gerar votos, diga-se de passagem – a atuação do Poder Judiciário ganha proteção constitucional, a fim de que possa atuar com autonomia e independência.

Nessa medida, e essa parece ser uma das importantes consequências dessa independência e necessária imparcialidade, assegura-se aos juízes a vitaliciedade, a inamovibilidade e a irredutibilidade de subsídios, impondo-lhes vedações, tais como exercer a atividade político-partidária, receber custas ou participação em processo ou receber contribuições de quaisquer das partes, dentre outras.

Não podem ser desconsideradas as limitações técnicas legislativas e políticas que subordinam à atuação das emendas constitucionais quanto ao atendimento incondicional da separação de poderes.

Nesse contexto, para ficar num só exemplo, imagine-se o que aconteceria com os integrantes da Operação Lava Jato se não tivessem tais garantias... Verifica-se, assim, diante da preocupação constitucional, que as matérias relacionadas à organização e administração do Poder Judiciário estão reservadas à iniciativa legislativa exclusiva do Poder Judiciário.

Por isso, não se admite a utilização de emenda à Constituição como forma de superar, por via transversa, as regras de iniciativa privativa, sob pena de invasão dos poderes, conforme já lembravam os ministros Teori Zavascki (ADI-MC 5296/DF) e Alexandre de Moraes (ADI 5211).

É tão forte essa previsão que não se pode olvidar a decisão do ministro Joaquim Barbosa que concedeu a liminar na ADI 5017/DF, impedindo a criação de novos Tribunais Regionais Federais por meio de emenda constitucional de iniciativa parlamentar.

Desse modo, não podem ser desconsideradas as limitações técnicas legislativas e políticas que subordinam à atuação das emendas constitucionais quanto ao atendimento incondicional da separação de poderes, especialmente a independência dos juízes.

Enfim, deve ser lembrado que no Brasil são mais de 10 milhões os servidores públicos, ao passo que os juízes são pouco mais de 17 mil, tamanha a especificidade da atividade. Conclui-se, portanto, que a PEC 32/20 não pode afetar juízes e promotores, sob pena de indiscutível violação à separação dos poderes, garantindo-se assim a verdadeira democracia.

Luciano Carrasco Falavinha Souza é vice-presidente da Associação de Assistência Médico-Hospitalar dos Magistrados do Estado do Paraná (Judicemed) e juiz de Direito substituto em segundo grau do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJPR).

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