| Foto: Unsplash/Ángel López
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Muito se fala de depressão na adolescência mas, curiosamente, fui eu quem viveu a depressão como mãe de adolescente. Não sei se por pouco comum ou por qualquer outro motivo, mas não encontrei fontes que me ajudassem a passar por esta condição de forma natural. Em meio a dúvidas e insegurança, emoções que fazem parte, não somente do universo adolescente, mas também de pais de adolescente, me vi em cenário hostil. Assombrada pela nova dinâmica de reincidentes conflitos com filho adolescente, tive medo do que estava apenas começando.

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Diferente do que se assume, pais e mães não sabem tudo. Essa ideia romântica persistiu mesmo depois da infância de meu filho, fase em que sabemos a importância de ser – e parecer – o porto seguro de todas as soluções. O problema é quando assumimos este papel com o apego de quem realmente acredita ser infalível. Foi assim, ainda revestida de uma presunçosa capa de super-herói, que vi minha incapacidade de viver a fase seguinte – a adolescência – de forma original, diferente dos habituais e preanunciados conflitos.

A super-herói de filho criança me concedeu a capa invisível que pouco a pouco me cegou à sua transitoriedade, ou seja, me levou a crer em uma validade e utilidade vitalícias, na verdade, irreais. Precisamos ser assim por um tempo em prol de um desenvolvimento saudável ao pequeno membro da família. Mas a vida real mostra que continuamos a acreditar neste personagem além e, na fase seguinte, somos curiosamente surpreendidos por nossas limitações e acabamos por nos angustiar com o que sempre existiu: nossa humanidade.

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A luta para me manter dona da situação com meu filho drenava minhas forças de tal forma que a angústia pós-confrontos me deixava em estado de depressão.

Ao me descobrir não mais idealizada por filho adolescente me deprimi. Mãe de bebê, me esforcei para aprender a entender tudo sobre ele; me beneficiei de dicas práticas de mães experientes para suprir suas necessidades com atento cuidado e dedicação. Nada me parecia insolúvel: com muito empenho, realmente me sentia capaz de solucionar “problemas” relacionados ao meu filho. Assim lidava com a maternidade. Na medida em que os desafios surgiam, eram vencidos. Parte pelo rico compartilhamento de dicas de outras mães, parte por meu próprio esforço de buscar caminhos próprios para vencê-los. Entre acertos e erros, os tais "problemas" duravam pouco e acabavam por ser, de alguma forma, solucionados sem grandes traumas.

Na adolescência, esta dinâmica mudou consideravelmente. Na fase em que tudo subitamente se transforma, tambémas fontes de informação e ajuda minguaram. As trilhas de então já não ajudavam e, em caminhos de grandes barreiras onde heróis já não davam conta de responder com soluções prontas, me perdi. Situações cotidianas com filho adolescente me desafiavam diariamente. Questionamentos, argumentações, reações, críticas, tudo virava motivo de conflito. Angustiada na preanunciada “fase difícil", caí em depressão por não saber mais como cuidar e me relacionar com filho então adolescente.

Deixar a capa de super-herói me devolveu a chance de não só escrever novo roteiro com filho adolescente, mas de também crescer e amadurecer

Vários são os exemplos de ansiedade vividos pelo que podia vir a acontecer a partir de um simples diálogo com filho adolescente. Me recordo, por exemplo, de um em que fui por ele abordadapara falar de sua mudança de visual com inesperada trivialidade: “Mãe, vou platinar meu cabelo. Vou precisar de uma grana pra pagar o cara amanhã” – disse meu filho. “Quê? Como assim "pla-ti-nar"? Que é isso?”. “Ai mãe, vou descolorir meu cabelo...”. “Como assim? Isso é um comunicado? Agora é isso: me comunica? E ainda quer que eu financie isso aí que nem sei se concordo? Tá doido?” – reagi destemperada. “Mãe, você é um saco!” – retrucou entre bufadas de enfado.

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Desnecessário dizer, mas daí seguimos em longa discussão sobre como eu reajo às “coisas dele”, sobre seus direitos e sua autonomia, sobre tudo e qualquer coisa... fato é que o cabelo platinado foi só o estopim de mais um conflito entre mãe e filho adolescente em uma relação notadamente desgovernada. A relação de pais e filho adolescente foi constante ameaça nesta fase e desconhecer o caminho de uma comunicação efetiva me deixou vulnerável a erros e sentimentos realmente perturbadores. A luta para me manter dona da situação com meu filho drenava minhas forças de tal forma que a angústia pós-confrontos me deixava em estado de depressão que sugava ainda mais minha disposição de seguir.

Ver-me limitada e impotente neste novo cenário me afligiu e me fez duvidar de minha autoridade. Escutava conselhos da parte de muitos sobre como agir, reagir, mandar, controlar e educar filho adolescente e, na mesma proporção, me deprimia mais por não obter resultados a partir do que os outros apontavam ser o certo e devido. Presa a padrões de comportamento ditados por terceiros – às vezes até inexperientes na causa – me impediam de buscar e firmar uma conexão própria com meu filho adolescente diferente do habitual. Ainda dependente das respostas prontas, não via que as profundas mudanças promovidas pela fase aconteciam não só ao meu filho mas também à família toda, inclusive aos pais.

Foi quando comecei a arriscar passos próprios. Primeiro, me desapegando das frases feitas e dos clichês adolescentes que nada ajudavam a firmar uma boa comunicação com meu filho; depois, me valendo dos mesmos ingredientes usados na infância – amor, paciência e doses extras de disposição e vontade – e acrescentando um até então desconsiderado mas vital: conhecimento sobre a adolescência e o mundo “de hoje”.

Me dispus a estudar, discutir, aprender e, depois de tudo, mudar de atitude para me relacionar de verdade com meu filho adolescente. A dinâmica pouco a pouco mudou – para melhor – e, finalmente, trilhei meu caminho para viver uma relação diferente do que a massa apregoava. Parte deste resultado vem de mudanças pessoais e práticas que me ajudaram a enxergar e viver diferente de antes:

Tornei-me seletiva nos conflitos escolhendo melhor as batalhas que realmente mereciam meu esforço para serem vencidas o que me ajudou, por exemplo, a me desapegar da discussão sobre o cabelo platinado que, definitivamente, não valia a pena ser sequer discutida.

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Admiti minhas dúvidas passando a expressa-las sem vergonha ou sombra de soberba ou vaidade. Insegura de decisão a ser tomada, me dava o direito de refletir mais tempo sobre ela.

Adotei novas frases com filho, tais como, "me dê um tempo para pensar sobre o assunto", “não sei, vou pensar mais um pouco” que surpreendentemente foram grandes aliadas em situações-surpresa tão recorrentes com filho adolescente.

Busquei opiniões diferentes das minhas e esta foi particularmente reveladora por desvendar quão enriquecedor é conviver com a diversidade que amplia a visão de mundo. Ao descobrir as diferenças como inspiração a novas possibilidades, passei a ouvir mais do que falar e, quando avaliado, até mudar de opinião.

Identifiquei e comuniquei as atitudes inegociáveis com filho adolescente o que delimitou o terreno de forma mais segura – e saudável – para toda a família.

Deixar a capa de super-herói me devolveu a chance de não só escrever novo roteiro com filho adolescente, mas de também crescer e amadurecer como mãe e ser humano. A “perda do superpoder" de outrora foi condição paraviver os novos desafios da vida prática, real e, sim, difícil, de mãe de adolescente-porto-seguro que começam por permanecer junto de filho e, junto com ele, amadurecer. Afinal, a missão continua: formar – e ser – humano melhor para mundo hoje.

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Xila Damian é escritora, palestrante e criadora do blog Minha mãe é um saco!.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]