Apreensão de cigarros contrabandeados.| Foto: Andre Rodrigues/Agencia Gazeta do Povo

O contrabando de cigarros é um exemplo notório de prática criminosa globalizada, uma vez que assola diversas regiões do planeta, com especial ocorrência na América do Sul. No caso do Brasil e dos seus vizinhos, o enfrentamento desse ilícito transfronteiriço sofreu recentemente um revés com a decisão do Parlamento do Paraguai de se recusar a adotar uma das principais premissas do Protocolo para a Eliminação do Comércio Ilícito de Produtos do Tabaco (ITP, na sigla em inglês), o aumento nos impostos sobre o produto.

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O Paraguai, um dos maiores produtores de cigarros da América Latina e considerado por autoridades de todo o mundo como o principal fornecedor de cigarros contrabandeados para a região, havia promovido um importante avanço ao ratificar, no início de 2019, o ITP. Porém, por 30 votos a 13, os senadores do país derrubaram um projeto de lei que previa o aumento dos impostos cobrados sobre os cigarros produzidos no país de 18% para 30%. Com isso, o país vizinho segue sendo um dos que cobram a menor carga tributária sobre os cigarros em todo o mundo: em uma lista da OMS com 192 países, o Paraguai é um dos 10 países que menos tributam o cigarro no planeta.

Surpreendendo as próprias investidas do governo ao controle ao contrabando, quando o país vizinho foi o sétimo a assinar o documento do ITP (após Brasil, Costa Rica, Equador, Nicarágua, Panamá e Uruguai), a atitude simboliza o fechamento de uma janela de oportunidade para a redução do contrabando na região e a adesão efetiva do país ao combate a esse crime que cresce ano a ano. Com a posse de Mario Abdo Benítez na presidência do Paraguai em 2018, a esperança era de que o governo paraguaio avançasse no controle aos produtos ilegais, uma vez que Benítez deu declarações públicas sobre o comprometimento com esse objetivo, algo inédito até então. Mas sem o apoio do parlamento, as investidas do presidente caem por terra.

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O combate ao contrabando é um tema complexo que envolve inteligência policial, ações nas regiões de fronteira, repressão ao crime organizado e medidas diplomáticas

Ocorre que a medida paraguaia afeta diretamente a economia do Brasil, onde o contrabando de cigarros é um problema enorme: estudos revelam que, atualmente, cerca de 54% do mercado de cigarros é ilegal, o que representa um aumento de 15% em relação aos dados de 2015. O que não se pode ignorar é que o comércio ilegal de cigarros financia o crime organizado, estimula a violência nas regiões de fronteira e coloca em risco a segurança pública e a economia do nosso país.

Além disso, há de se observar que o modelo tributário vigente aqui está se mostrando ineficiente para reduzir o consumo do produto ilegal. Aumentar os tributos sobre o setor tabagista no país, por exemplo, é onerar apenas 46% do mercado e, consequentemente, estimular o avanço no consumo de cigarros contrabandeados. É preciso, portanto, equalizar a regulação tributária do setor nos dois lados da fronteira.

Sancionado por 40 países, o protocolo do ITP avança nessa discussão e representa uma mudança significativa de paradigma, com a adoção de um novo padrão global de controle do tabagismo, com parceiros internacionais trabalhando juntos para resolver o problema. O documento contém uma vasta gama de medidas de combate ao comércio ilícito, divididas em três categorias: (i) prevenção do comércio ilícito; (ii) fomento à aplicação da legislação; e (iii) criação de uma base legal para a cooperação internacional.

Leia também: Contrabando e desenvolvimento econômico na fronteira (artigo de Luciano Stremel Barros, publicado em 27 de outubro de 2016)

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Leia também: A realidade do mercado ilegal de cigarros no Brasil (artigo de Edson Vismona, publicado em 15 de dezembro de 2018)

Ademais, o protocolo também tem como objetivo o estabelecimento de um regime global de rastreamento que permita aos governos acompanhar efetivamente os produtos de tabaco, desde o ponto de produção até o primeiro ponto de venda. Mas, para garantir sua eficácia, é necessário o estabelecimento de medidas que garantam a cooperação internacional para o compartilhamento de informações, a assistência jurídica e administrativa mútua e o estabelecimento de uma política que garanta até mesmo a extradição de pessoas envolvidas nesse crime.

Para que o ITP possa ser positivo para o Brasil e para a América Latina, é importante também que sua aplicação esteja sob a rubrica da segurança pública. Não se deve considerar o protocolo como mais uma medida de saúde e controle de consumo de cigarros. O combate ao contrabando é um tema complexo que envolve inteligência policial, ações nas regiões de fronteira, repressão ao crime organizado e medidas diplomáticas, o que deixa claro que se trata de um esforço que deve ser concentrado sob a tutela das forças de defesa.

Rodolfo Tamanaha é advogado, doutor em Direito Tributário (USP) e mestre em Direito Público (UNB). Foi Secretário Executivo do Conselho Nacional de Combate à Pirataria do Ministério da Justiça.