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Não bastassem o desastre social, com a nossa péssima distribuição de renda, e a catástrofe política, com mensalão, sanguessuga e outros episódios tristes, os brasileiros receberam nos últimos dias uma quantidade de informações sobre desastres difícil de digerir.

Novamente, centenas de milhões de reais em prejuízos, e até agora próximos de cem mortes reconhecidas. São inundações, deslizamentos, colapsos em pontes, rodovias e túneis, explosão de navios e outros eventos que alcançaram, nos últimos anos, expressivas porções do território nacional, assustando todos e preocupando a sociedade.

Uma análise dos 59 episódios de inundação mais expressivos no Brasil nos últimos 50 anos indica prejuízos contabilizados de R$ 10 bilhões. Apenas os 21 maiores desastres tecnológicos no período, excluídos acidentes industriais e de transporte, indicam 1.265 mortos. A análise apressada dessa situação poderia conduzir a duas conclusões:

1) São os tais "desastres" resultantes da ação de processos normais da natureza ou do acaso.

2) Não há como enfrentar o problema.

Mas essa análise não é correta. Se a primeira assertiva, algumas poucas vezes, pode ser verdadeira, a segunda é sempre falsa. Uma situação perigosa pode ser causada por processos naturais, pela ação do homem, ou conjugar esses dois tipos de causas. Independentemente da origem, há uma diferença significativa entre a ocorrência de um evento perigoso, e os prejuízos que pode ou não causar. Desse lado do problema, os prejuízos podem ser aumentados ou diminuídos, ou mesmo evitados, conforme os estudos, e conseqüentes ações, com a finalidade de reduzir a vulnerabilidade ou de melhorar a resposta a um determinado processo perigoso ou acidente.

Para melhorar o nosso destino nessas situações de perigo, precisamos modificar a nossa forma de visualizar o problema. Chega de considerar o desastre como algo definido por fatores incontroláveis, que não nos cabe questionar ou enfrentar. Não dá para repetir que o Brasil é "protegido" por não ter terremotos, aliás, o que não é verdade. Os levantamentos comparativos apontam o Brasil como um dos países onde a população é mais afetada por desastres.

Para mudar, a Defesa Civil tem de deixar de ser considerada exclusivamente como um "banco", onde os atingidos vão buscar recursos nas emergências. Isto facilita inclusive o "clientelismo" político.

As comissões de Defesa Civil, constituídas por equipes multidisciplinares de especialistas, devem agregar valor à resposta da sociedade para as situações de perigo e insegurança. O sistema deve ser profissionalizado, evitando a troca de seus atores a cada mudança de governador ou prefeito. É necessário e econômico investir mais recursos na prevenção e num sistema avançado de Defesa Civil, antes dos eventos.

Existem bons exemplos e iniciativas interessantes nos diversos níveis de governo, sem esquecer do heroísmo cotidiano dos bombeiros brasileiros. Mas ainda há muito a melhorar.

A comunidade tem de se preparar para esses eventos como "lição de casa". Precisamos utilizar a capacidade científica nacional, para desenvolver conhecimentos buscando diminuir a vulnerabilidade, avaliar os riscos, e melhorar a resposta aos eventos perigosos. É preciso mudar o nosso estilo de desenvolvimento, adotando o verdadeiro desenvolvimento sustentável, que considera os processos naturais na definição de prioridades de investimentos e no planejamento de obras.

Sempre teremos eventos perigosos e acidentes, mas a nossa sociedade não pode, ano após ano, postar-se passivamente na frente da tevê para saber o que a natureza e o acaso "aprontaram" desta vez. Só para lembrar: a ONU acaba de informar que os processos naturais perigosos vão aumentar.

Renato Eugênio de Lima é geólogo, professor e diretor do Centro de Apoio Científico em Desastres (Cenacid) da UFPR e consultor da ONU para Desastres Naturais e Ambientais.

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