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| Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo

Inovação no direito jurisprudencial brasileiro, o “direito à desconexão” vem ganhando notoriedade nas decisões dos Tribunais Regionais do Trabalho como forma de proporcionar o efetivo descanso do trabalhador e de se evitar que o trabalho sirva de óbice ao lazer, estudos e demais atividades que o trabalhador opte por exercer durante seu período de descanso.

Tem-se, portanto, que o direito à desconexão está intimamente relacionado às normas de saúde, higiene e segurança do trabalho, o que demonstra a preocupação do legislador e do próprio julgador com a necessidade de desconexão do trabalhador em relação ao trabalho de forma a efetivar o descanso necessário à preservação de sua saúde física e psicológica.

Por outro lado, é certo que o direito à desconexão deve ser sopesado sob a ótica do bom senso, pois é notório o fato de que trabalhadores, em horário destinado ao labor, também fazem uso da tecnologia, principalmente da internet e celulares, para fins pessoais (WhatsApp, e-mails, Facebook e outros).

Não havendo norma especifica sobre o assunto, ficam trabalhadores e empregadores sujeitos à discricionariedade dos julgadores

Portanto, mostra-se um tanto quanto contraditório permitir ou aceitar como natural que trabalhadores façam uso de equipamentos eletrônicos para fins particulares durante o período destinado ao labor e, de outra banda, tenha-se como ilegais ou passíveis de condenação esporádicas e isoladas comunicações do empregador durante o período destinado ao descanso do trabalhador.

Justamente por este contrassenso de haver um “direito unilateral” exclusivo do trabalhador que se faz necessária a produção de legislação específica sobre o tema, pois, em não havendo norma especifica sobre o assunto, ficam trabalhadores e empregadores sujeitos à discricionariedade dos julgadores, que não raramente acabam por produzir decisões absolutamente conflitantes.

A França se tornou, recentemente, o primeiro país a legislar sobre normas que garantam o efetivo descanso pelos funcionários, registrando que tal direito à desconexão deve ser cumprido como um direito fundamental da pessoa humana. Porém, merece destaque o fato de que a legislação francesa peca ao dispor exclusivamente sobre o direito do trabalhador à desconexão, sem, no entanto, prever qualquer punição ao trabalhador que faça uso do horário de trabalho em benefício particular, o que, por certo, demonstra uma perigosa tendência de defender-se exclusivamente apenas um dos polos da relação laboral.

Leia também: O direito à desconexão do trabalho (artigo de Ricardo Guimarães, publicado em 18 de outubro de 2017)

Leia também: O direito a se desconectar do ambiente de trabalho (artigo de Janaina Eichenberger, publicado em 20 de fevereiro de 2017)

A legislação brasileira não dispõe de nenhuma norma especifica sobre contatos do empregador ao trabalhador em horário de descanso, havendo tão somente a normatização da jornada em sobreaviso, o que, por certo, não pode ser confundida com o chamado direito à desconexão.

No que se refere ao sobreaviso, poder-se-ia concluir que o direito à desconexão estaria contemplado por tal previsão legal, já que normalmente a jornada em sobreaviso está intimamente ligada à manutenção de aparelho eletrônico destinado ao chamado do empregador. Ocorre, entretanto, que o sobreaviso se insere numa situação muito mais gravosa e restritiva ao direito ao descanso do trabalhador do que os remotos e esporádicos contatos do empregador, defendidos pela jurisprudência como causas de condenação do empregador a indenizações pela violação ao direito à desconexão.

E, assim, novamente retornamos à insegurança jurídica que perdurará enquanto se entender que, por entendimento jurisprudencial, e sem norma legal específica, é possível a condenação do empregador pela violação do chamado “direito à desconexão”.

Ana Claudia Piasetzki e Gustavo de Pauli Athayde são advogados.
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