| Foto: Bill Pugliano/AFP

É bastante interessante notar, ao longo de tantas notícias que circulam hoje pelas redes sociais, que o foco de “sucesso”, recuperação econômica e estabilidade mistura-se fortemente com nossa capacidade vergonhosa de imitar o consumismo americano de maneira desenfreada e descontrolada. Milhões de consumidores gastando suas economias (ou melhor, seus benefícios sociais antecipados pelo governo) em compra de bens de consumo pela simples apelação de que “é época de comprar”. Esquecem-se de que janeiro está chegando e que as economias gastas nas “festas” de consumo do fim do ano farão falta!

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Não, não sou um arauto do combate ao capitalismo, tampouco defensor do nivelamento social generalizado, nem que todos somos “iguais” e que é errado ter dinheiro ou fazer uso dele. Sou capitalista ferrenho e entendo que, pelo menos por enquanto, somente com o capitalismo temos maior possibilidade de superar nossas diferenças e dificuldades sociais. A razão pela qual escrevo essa história está justamente em perceber, ao longo de quase 40 anos, que as pessoas realmente são ou escolhem ser ingênuas, muito ingênuas!

Os brasileiros estão vivendo como se o país tivesse se recuperado, não bastasse termos ainda hoje um dos maiores índices de desemprego de nossa história, ultrapassando os 13 milhões de desocupados. Ouvimos em todas as mídias que a crise está passando e a economia está se recuperando, não obstante o sétimo aumento da gasolina em poucos meses, a inflação real (não o índice divulgado pelo governo) na casa dos 10% e os juros mais altos do mundo. Lemos que o mercado consumidor está aquecido e animado para o fim do ano, mesmo vendo milhares de brasileiros tendo seu crédito negado pelos bancos, em uma espiral de “análise de crédito” ininteligível. Os índices de insolvência e de feirões de renegociação nunca foram tão grandes – e com tão pouco sucesso! Afinal, sem dinheiro vivo no mercado, fazer acordo em dívida é simplesmente prorrogar o problema e retomá-lo ainda maior com os juros sobre juros.

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A velocidade e o nível de automação e informatização atuais jamais existiram ou foram aplicados ao mercado de trabalho

Diversos bancos e empresas públicas estão à beira da falência, escondendo prejuízos e formatando PDVs para tentar sobreviver até o fim do atual governo, que só sabe falar na reforma previdenciária para dar uma resposta a investidores internacionais dos compromissos assumidos após o impeachment (que fique claro: também não sou partidário do PT nem da presidente Dilma, que nos deixou uma das heranças mais nefastas da economia dos últimos 30 anos)!

Os repasses aos municípios nunca foram tão prejudicados, com a queda na arrecadação real e governos que beiram o desespero, formatando “parcelamentos” criativos, na tentativa de extrair algum fluxo extra! E com tudo isso ainda vemos os “estouros de boiada” das Black Fridays Brasil afora. E isso é a notícia em destaque.

A reforma trabalhista, que anima uns e apavora outros (não quero aqui entrar nesse mérito), colocou uma das estruturas mais sólidas do século passado em xeque: sindicatos estão demitindo para se manterem abertos. Juízes do Trabalho se rebelam contra o próprio Estado que os sustenta, em uma busca insana por conter o que o mercado já decidiu: não há mais segurança em nenhuma atividade profissional, a não ser a adaptação constante e a negociação!

Aliás, nós, brasileiros, somos péssimos em negociação. Não gostamos de negociar, gostamos de impor. E nossas imposições geralmente buscam preservar nosso statu quo, focando na preservação da zona de conforto. O lema é algo como: “podemos negociar, sim, desde que todos os meus privilégios sejam preservados, eu não perca meu emprego e não precise me readaptar a nada”. Setores da economia que se sentem ameaçados seguem, em geral, dois caminhos: o lobby legislativo em todas as esferas para tentar barrar as inovações (como no caso do Uber, de cobradores de ônibus no Rio, de frentistas de postos de gasolina etc.), lançando leis mais insanas do que a própria inovação que desestrutura o mercado instalado; ou a revolta civil: o setor se reúne com seus caciques, articula uma greve geral, seguida de pancadaria e violência, e depois para a economia local ou cria empecilhos inexplicáveis ao mais cético dos estrangeiros que tente compreender as estruturas brasileiras.

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Leia também: A Quarta Revolução Industrial (artigo de Alexandre Nigri, publicado em 14 de julho de 2016)

A educação básica no país está abandonada pela sua transferência quase integral ao setor privado, que por sua vez não se preocupa em seguir as determinações mundiais de capacitação dos alunos e de respeito aos professores como formadores de seres humanos e “futuros trabalhadores”. As universidades públicas, como reduto dos “princípios” socialistas, estão sucateadas, prestes a serem fechadas, sustentando o status de “educação gratuita” para uma horda de vestibulandos formados para o desemprego. Já o ensino fundamental foca no vestibular e esquece da vida real. Alunos bitolados, estressados, sobrecarregados com matéria totalmente inútil ao mundo profissional moderno se debatem com outros milhares pela disputa de vagas em faculdades que, quando não estão na classificação das públicas que mencionei acima, drenam das famílias todas as economias para uma formação profissional... para o desemprego. Raríssimas são as instituições que têm uma grade realmente diferenciada de formação, desde o ensino fundamental até a graduação. No Brasil, ainda vivemos o objetivo utópico de que o “estudo” é aquilo que extraímos das faculdades e que nos trará uma profissão segura, estável e para a vida toda.

Até agora, não contei nada de novo, a não ser que a economia que está sobrevivendo a estes solavancos está se reestruturando com base em tecnologias, robótica e inteligência artificial suficientes para que, ao retomar o verdadeiro crescimento de mercado, não precise recontratar os atuais desempregados. Diante de toda essa realidade, estamos vivendo a era do Desemprego 4.0 – estejamos ou não dispostos a acreditar. Em uma definição mais clara, é o desemprego presente, que será acrescido dos desempregados futuros, advindos da retomada da economia, sendo sua maioria profissionalmente qualificados, mas mercadologicamente desnecessários. Desempregados altamente qualificados para o passado e pouco preparados para o futuro do presente. O Desemprego 4.0 tem relação direta com as tendências e inovações tecnológicas que estão tomando o espaço – de forma abrupta, efetiva e constante – dos tão conhecidos e sonhados postos de trabalho tradicionais.

Leia também: Ciência e tecnologia: aborto de um projeto de nação (artigo de Rafael Barros de Oliveira, publicado em 29 de novembro de 2017)

Existem debates acalorados sobre o desemprego gerado pela tecnologia, seu real impacto e quais os novos empregos que serão gerados com essa modernização. Aqueles que pregam que “não há motivo para pânico” se sustentam no discurso desgastado de que na Revolução Industrial do século 19 aconteceram, também, mudanças estruturantes, e que, apesar da resistência dos trabalhadores, mais trabalho foi criado do que extirpado. E isso é verdade – para aquela época. Uma sutil diferença esta sendo desconsiderada pelos que, romanticamente, acreditam que teremos mais empregos gerados que eliminados no curto prazo: a velocidade e o nível de automação e informatização atuais jamais existiram ou foram aplicados ao mercado de trabalho, e isso faz toda a diferença.

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A velocidade com que essas mudanças são implementadas impactam de forma imediata, no “virar da chave” das demissões em ato contínuo à inovação efetiva. Aquilo que chamamos de “disrupção” expõe as fragilidades do nosso atual modelo de mercado, no mundo todo. E essa velocidade está, sim, sendo subestimada – de forma até amadora – pelos estudiosos e governos do país todo. Como todas as informações são divulgadas para acalmar e conter os mercados e o povo, nenhum governo virá a público admitir abertamente que a crise do desemprego brasileiro está apenas começando. Nenhum instituto oficial apresentará estudos mostrando que a tendência nos próximos anos é de um aumento crônico do desemprego, em que as políticas sociais atuais serão simplesmente ineficientes diante dessa crise iminente dos empregos. Um ou outro mais realista começa a propor a “renda mínima universal”, que teve sua origem no Brasil, com Eduardo Suplicy (aqui mencionado sem concordar ou discordar de sua teoria, apenas como referência teórica), e que até hoje nunca foi implementada efetivamente no país.

E mais: nenhum político irá admitir, praticamente em ano eleitoral, que efetivamente não há meios de curto prazo para evitar o aumento do desemprego e, pior, que o desemprego atual não será reduzido, simplesmente porque não haverá empregos suficientes no mercado que ressurge da crise e que se estrutura, rapidamente, nas novas tecnologias.

Enquanto os governos simplesmente não sabem o que fazer, as famílias brasileiras estão se endividando

A “ingratidão do mercado” é implacável com os causadores das crises. O empresário que sobrevive ao tsunami da crise estrutura-se para que não sofra mais com aquele impacto. E, atualmente, existem alguns aliados que até os anos 90 não existiam: a robótica, a tecnologia e a inteligência artificial. Esses três ingredientes impactam fortemente no mercado de trabalho, sustentam a produtividade, aumentam a lucratividade e, consequentemente, aumentam o desemprego. Os detentores das inovações tecnológicas serão os novos privilegiados do futuro – e o Brasil, no quesito “privilégios”, é especialista de longa data!

O problema é que aqui, em vez de estruturarmos os futuros “desempregados pela tecnologia” com recapacitação e nova qualificação profissional, insistimos em dizer que tudo ficará bem, que as filas e filas de novos graduados, integrantes do vestibular e técnicos serão empregados “assim que o mercado se recuperar”, em uma gritante parábola do crente: todos creem, mas ninguém vê nada de efetivo, a não ser as filas de desempregados. É bem verdade que algumas profissões terão aumento de demanda, desemprego zero, pleno emprego e salários bem generosos. E isso é fruto da economia de mercado! Mas o que nos interessa aqui é que a grande massa de trabalhadores atuais não se adequará a essa nova demanda a tempo de não ter de sofrer o fantasma do desemprego.

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Enquanto os governos simplesmente não sabem o que fazer, ao mesmo tempo em que jamais irão admitir que não têm um norte para combater esse desastre, as famílias brasileiras estão se endividando, seja para consumir por demanda reprimida de tantos anos, seja para pagar faculdades ou financiamentos estudantis de seus filhos, seja para tentar renegociar dívidas impagáveis em um sistema financeiro nefasto, com controle estatal duvidoso e totalmente responsável pela crise atual em que vivemos. E mais ainda: enquanto acreditarmos politicamente que medidas de reserva de mercado (como leis que garantam determinadas categorias profissionais) são a forma correta de impedir o desemprego ou de preservar empregos, só estaremos prorrogando o sofrimento e perpetuando a mentira. O mercado não está disposto a se sujeitar ao passado, mas simplesmente quer liberdade de se adequar ao que o mundo oferece: modernidade, gestão eficiente, otimização e demanda por profissionais muito, mas muito capacitados.

Aceitemos: as novas tecnologias vão, sim, tomar nossos empregos. Resta-nos saber de que forma nos tornaremos úteis para que essas máquinas demandem de nós mesmos recapacitação, para que não nos tornemos obsoletos imediatamente após nossa tão sonhada formação profissional.

Vinicius Carneiro Maximiliano, advogado corporativo e gestor contábil com MBA em Direito Empresarial e especialização em Direito Eletrônico, é diretor-executivo da Etecon Contabilidade e autor de “Dinheiro na Multidão” – Oportunidades x Burocracia no Crowdfunding Nacional”.