Imagem ilustrativa.| Foto: divulgação/EB
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No ano de 2022, a Gazeta do Povo publicou uma série de artigos abordando o problema do preparo da capacidade militar do Brasil. Um deles em especial “Por que o Brasil não consegue sustentar suas empresas estratégicas de defesa?”, tratava do problema que a empresa Avibras Indústria Aeroespacial, uma das mais importantes empresas estratégicas de defesa do Brasil, estava passando. No dia 18 de março de 2022, a empresa havia entrado, pela terceira vez, em regime de recuperação judicial e demitiu 420 funcionários, alegando quedas expressivas no faturamento nos últimos dois anos e dívidas da ordem de R$ 640 milhões, segundo o Valor Econômico de 20 de março de 2022.

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Passados dois anos, segundo notícias que circulam nos sites especializados em defesa, nos deparamos com a perspectiva da empresa, que domina importantes tecnologias de foguetes, mísseis, componentes inerciais e propelentes, ser adquirida com recursos de um fundo de investimento australiano por uma empresa desse país, de porte muito menor do que a própria Avibrás, a DEFENDTEX.

Ainda segundo informações que circulam entre pesquisadores e jornalistas especializados em defesa, há muito a AVIBRAS negociava com várias empresas estrangeiras a sua venda. Chegou-se a buscar uma solução nacional de investidor. Essa operação, segundo se comenta, dependeria de um envolvimento do governo brasileiro. Contudo, até o momento esse apoio, essencial para viabilizar esse negócio, não ocorreu.

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Se essa compra for realmente concretizada, ela terá ocorrido pouco tempo depois de outro episódio igualmente grave, que foi a aquisição da empresa SIATT pelo EDGE Group, que é uma estatal dos Emirados Árabes. A SIATT, sucessora da empresa Mectron, que também não conseguiu se sustentar no mercado brasileiro, é outra empresa que domina tecnologias para desenvolvimento e fabricação de mísseis, sem os quais nenhuma força armada pode hoje operar. Assim, em curto período de tempo, o Brasil está prestes a perder o controle sobre duas empresas de defesa realmente estratégicas para o país.

Importante ressaltar que a viabilidade dessas empresas exigiu pesados investimentos públicos para financiar o desenvolvimento de tecnologias críticas, essenciais para produzir os produtos que essas empresas fornecem e que são objeto de rigoroso controle e, até mesmo, negação de uso, por parte dos países que as detém. São inúmeros os casos de proibição de venda de produtos de defesa desenvolvidos e produzidos no Brasil, por parte dos países que detém a tecnologia de componentes usados nesses produtos.

O Brasil já havia perdido a ENGESA, que foi uma empresa altamente competitiva no mercado de carros de combate, também por omissão do Estado brasileiro. A empresa enfrentou problemas financeiros depois que o carro de combate Osório, apesar do bom desempenho contra concorrentes muito maiores, para atender demanda da Arábia Saudita, não conseguiu ganhar a concorrência, O Exército Brasileiro não comprou sequer uma unidade do Osório. Esses fatos reforçam a necessidade de o país ter controle das empresas que conseguem desenvolver essas tecnologias, na maior parte das vezes com recursos a fundo perdido fornecidos pelo Estado.

Essa é uma característica muito específica do mercado de produtos de defesa, que, pelo lado da demanda, apresenta características de monopsônios, pois o Estado é o único comprador (embora podendo também exportar, mas sempre com anuência do Estado), enquanto, pelo lado da oferta, no caso de produtos altamente complexos e de grande valor, como carros de combate, aeronaves, mísseis e sistemas de sensoreamento e comando e controle, os países só conseguem manter um fornecedor, o que caracteriza um monopólio. Assim, ao contrário de produtos para uso civil, não há alternativa que não seja tratar os lados da demanda e da oferta como um sistema único, trabalhando de forma sinergética.

Essa realidade já foi compreendida em todos os países com alguma relevância econômica e militar, os quais promoveram nos últimos anos profundas reformas em suas estruturas de defesa, criando um órgão altamente profissional e especializado, independente das Forças Armadas (FFAA), para cuidar da aquisição e desenvolvimento de produtos e tecnologias de defesa. Esse órgão tem a função de cuidar da saúde financeira e da capacitação industrial e tecnológica das empresas estratégicas de defesa, influenciando nas decisões para definição da origem dos produtos demandados pelas FFAA, dificultando, ou impedindo, a importação de produtos de defesa que podem e devem ser desenvolvidos e fabricados no país, por motivações estratégicas relacionadas à soberania e segurança nacional (e não econômicas). Esse órgão também é responsável por promover políticas industriais e tecnológicas, visando ao desenvolvimento e sustentação dessas empresas estratégicas..

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Sem um órgão dessa natureza, a base industrial de defesa estratégica do Brasil continuará caminhando para seu completo desmantelamento. Em trabalho publicado no final de 2022, elaborado com minha participação, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) recomenda que o Brasil faça uma reforma de suas instituições de defesa nos mesmos moldes do que recomendam as boas práticas internacionais.

Entretanto, mudanças como essa encontram resistências e podem demorar algum tempo para serem aceitas e realizadas. Ou seja, não chegarão a tempo de impedir a perda da AVIBRÁS. Dessa forma, se torna urgente que as Comissões de Defesa Nacional do Congresso Nacional se inteirem desse problema e atuem para resolvê-lo de forma a que o país estanque o desmantelamento de sua base industrial de defesa estratégica, começando pela própria AVIBRÁS.

Eduardo Siqueira Brick é professor titular aposentado da Universidade Federal Fluminense e pesquisador do Núcleo de Estudos de Defesa, Inovação, Capacitação e Competitividade Industrial (UFFDEDEFSA) e do e do Centro de Defesa & Segurança Nacional (CEDESEN).

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]