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É possível alguém ter dinheiro e ser infeliz, como é possível, também, alguém não ter dinheiro e ser feliz. A frase "dinheiro não traz felicidade", muito usada, é uma forma de dizer que o dinheiro, sozinho, não tem capacidade de curar os males do corpo e da alma. Isto é, alguém extremamente infeliz e perturbado pode possuir montanhas de dinheiro, sem que isso mude seu estado negativo.

Embora se possa afirmar que dinheiro não traz felicidade, apresentando, para isso, bons argumentos, nenhum aspecto da vida pode, sozinho, garantir felicidade. Mas, há um equívoco na frase título deste artigo. Várias pesquisas têm sido feitas com pessoas acima dos 70 anos, a fim de verificar qual o segredo de uma velhice feliz. De forma óbvia, duas causas predominam nas respostas: saúde e conforto material. Além destas, há outras respostas interessantes, que merecem reflexão.

Em 2009, foi muito comentado um estudo feito nos Estados Unidos envolvendo pessoas acima de 80 anos, para entender o que, além de boa saúde e conforto material, é preciso para ser feliz na velhice. As duas primeiras causas seriam: a) uma rede de amigos; b) uma vida simples e honesta. Rapidamente, uns se apressaram em dizer que aí está a questão: não é o dinheiro que traz felicidade. Mas há uma falácia na conexão entre as duas coisas.

Juntando tudo, parece bastante razoável afirmar que as quatro causas principais da felicidade na terceira e quarta idade são: a) saúde; b) conforto; c) amizade; d) vida simples. Olhemos esses quatro pontos e façamos a pergunta: é possível alguém ter tais coisas sem independência financeira? Acesso a bons serviços de saúde, conforto material, tempo para desfrutar viagens e convivência com amigos... por acaso você acha que alguém pode ter tudo isso se não tiver um fluxo de renda capaz de pagar as contas?

Sejamos francos: sem dinheiro ou sem alguém que pague a fatura, um homem velho e aposentado estará numa grande enrascada e dificilmente terá condições de realmente ser feliz. Uma pessoa sem independência financeira tem grande chance de viver uma velhice de dependência, sofrimento e humilhação. Quando vejo reportagens de televisão mostrando pessoas velhas e doentes nas filas do INSS ou dos postos de saúde, implorando para que um funcionário lhes dê um mínimo de atenção, aquilo me parece um símbolo contundente do fracasso de um sistema e uma punição para quem não construiu sua independência financeira.

Recentemente, encontrei uma mulher conhecida, que estava doente, em estado de depressão profunda, cujo semblante mostrava um quadro desolador. A história dela é triste demais. Professora do ensino fundamental de uma prefeitura, com 40 anos de idade e uma filha de 13, ela estava morando na casa dos pais, porque o salário líquido mensal não lhe permitia pagar aluguel e sustentar a si e à filha. Dizia-me ela que, se comprasse dois livros por mês, necessários para melhorar sua qualificação como professora, ela gastaria 10% da sua renda líquida. Assim, ela não compra livros, não viaja, não vai ao cinema, não vai ao teatro, não vai a shows, não paga plano de saúde, não faz poupanças... e não consegue morar sozinha com sua filha.

A situação humilhante e a vida na casa dos pais a deixaram em tal estado de humilhação, que a depressão se instalou, o organismo enfraqueceu e outras doenças surgiram. Lembro-me dessa mulher falando, com orgulho, da missão do professor. Claro que sabemos da importância do professor e de que a educação é chave para o desenvolvimento. Porém, a primeira responsabilidade do ser humano é consigo mesmo e com sua família. Meu palpite foi: ou ela se qualificava para subir na carreira e dar aulas em níveis superiores ao nível fundamental ou ela deveria buscar outras opções de vida, abrir a mente e admitir trabalhar em atividades diferentes. Ninguém ajuda ao país se fizer um bom trabalho para os outros, mas desestruturar a sua vida e a dos seus filhos.

Este é um exemplo corriqueiro, e há milhões de casos semelhantes. Definitivamente, dinheiro traz felicidade sim. Claro que, por si mesmo, ele não compra saúde nem alegria. Mas, a ausência dele é fonte de doença, de tristeza e de uma vida infeliz. Portanto, tomado no contexto de quem afirma que dinheiro não traz felicidade, é possível afirmar que "dinheiro traz felicidade sim", entendendo por felicidade uma vida digna, com conforto material e na qual o cidadão tenha acesso àquilo que faz elevarmo-nos acima dos animais: a alegria, a amizade, a leitura, o esporte, a música, o teatro, o contato com outros povos e a boa orientação dos filhos.

José Pio Martins, economista, é vice-reitor da Universidade Positivo.

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