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Não discriminar não significa ter de tolerar as mesmas ideias, gostos, sentimentos, opções sexuais, ideais políticos ou religiosos. Posso e devo discordar se penso diferente. Isso é democracia, isso é pluralismo

Como educador e professor de ética, tenho me preocupado cada vez mais com o ensino/aprendizagem de certos conceitos que, quando não assimilados de forma correta, podem confundir os mais superficiais. São as noções de tolerância, discriminação, verdade e opinião.

Na universidade me deparo com frequência, pela temática que ensino, com o enfrentamento em sala de aula. Uma vez ou outra explodem paixões juvenis, outras vezes escuto de forma indignada frases como: "O senhor está sendo muito intolerante com as suas opiniões", "O professor está discriminando uma parcela da faculdade com as suas verdades", ou reações parecidas. Confesso que necessito de grande dose de autodomínio e de inteligência emocional para compreender meus pupilos e, em paralelo, manter um diálogo respeitoso, vivenciando esses próprios conceitos. Acredito, portanto, que possa ser útil promover a reflexão sobre os temas acima elencados, para não sermos conduzidos a engodos midiáticos ou para nos prepararmos para futuros debates em diversos âmbitos educativos.

O sentido de tolerância que adoto é do filósofo Tomás de Aquino, que criou o conceito no século 13: "Tolerar é permitir a existência de certos males menores para não provocar outros males maiores e para não impedir certos bens maiores". Tolerar é permitir de forma bastante justificada certos males menores, não autorizá-los. Existe uma diferença notável entre permitir e autorizar. Esse último é dar autoridade a alguém para que faça algo. No nosso caso, seria autorizar o mal e converter, por um poder arbitrário e pela "magia" da tolerância, o mal em bem. O autorizador, assim, tornar-se-ia corresponsável pelo mal. O que não seria ético. É preciso ser consciente de que, quando se é tolerante, o mal continua sendo mal na perspectiva de quem permite. E que, mesmo sendo tolerante alguma vez, nem sempre será possível tolerá-lo. Nesses casos é preciso ser intransigente com o erro e o mal, o que não é intolerância. Ora, numa sociedade em que a confiança na razão como meio para descobrir a verdade foi aos poucos dando lugar ao ceticismo, é fácil compreender por que as pessoas se confundem entre o bem e o mal.

No momento em que a força da razão é enfraquecida, e que o julgamento ético vira uma questão de sentimentos e preferências pessoais – fenômeno chamado pelo filósofo MacIntyre de emotivismo, em After Virtue – são compreensíveis as reações explosivas de algumas pessoas quando alguém lhes tenta mostrar, de forma racional, as diferenças entre o bem e o mal, como aconteceu entre mim e meus alunos. Eles se sentem como sendo invadidos por uma autoridade despótica, que se intromete em sua liberdade pessoal, ou pelo menos a cerceia. A sensação de desrespeito é real, pois falta a participação da razão e da vontade para moderar e direcionar esses "sequestros" emocionais para a reflexão. Os conceitos de intransigência e discriminação acabam se confundindo, o que é um grande erro.

Ser intransigente é defender a verdade que nos transcende. Significa manifestar o direito de discordar de alguém que apresente outra coisa como verdade, e, num diálogo respeitoso, expor uma argumentação diferente, com fundamentos sólidos e convincentes, de forma que ambos tentem honestamente vislumbrar um bem que os una. Portanto, uma atitude bastante distante da violência e da arrogância. Já ser discriminador é algo bastante diferente. Significa dar um tratamento desigual, seja favorável ou desfavorável, às pessoas em função das suas características raciais, sociais, religiosas ou de gênero. É um desrespeito à pessoa humana, quase sempre numa atitude física ou psicologicamente violenta. Naturalmente, é algo deplorável, que sempre será preciso combater. Entretanto, não existe discriminação de ideias nem de atitudes, somente de pessoas. Caso contrário, nenhum educador jamais poderia atuar em relação a seus educandos, corrigindo-os, moderando-os ou até castigando-os. Infelizmente, é exatamente essa mentalidade (corrigir como discriminar) que aos poucos vai entrando em nossas escolas, com consequências incalculáveis.

Como aponta a doutora em Filosofia Ana Marta González, "o respeito se dirige ao homem que eventualmente defende ideias opostas às nossas; a tolerância, às suas ideias" ("Las paradojas de la tolerância"). Portanto, não discriminar não significa ter de tolerar as mesmas ideias, gostos, sentimentos, opções sexuais, ideais políticos ou religiosos. Posso e devo discordar se penso diferente. Isso é democracia, isso é pluralismo.

E como conviverão em paz pessoas que pensam diferente? Como viver a tolerância, em casos como a eutanásia infantil, o nudismo, o livre exercício de religiões minoritárias? A resposta é complexa, mas a filósofa espanhola nos orienta: eticamente, com respeito. Politicamente, com três critérios: buscar a solução em que a maioria possa se abster; em que o prejuízo que se vá produzir nos outros seja o menor possível; em que a subsistência da sociedade esteja sempre garantida.

João Malheiro é doutor em Educação pela UFRJ. E-mail: malheiro.com@gmail.com BLOG: escoladesagres.org

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