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O processo eleitoral italiano para renovar seu Parlamento e eleger o novo primeiro-ministro concluiu-se de maneira melancólica. Apesar do maciço comparecimento de 75% do eleitorado, em sistema de sufrágio não obrigatório, e da acirrada campanha que monopolizou o país, o resultado deixou patente a índole alienada e confusa daquele que já foi considerado eleitor de excelência. Pátria do sindicalismo de resultados, de históricos partidos e dos teóricos mais exponentes das diversas ideologias, a Itália sai das eleições dividida e sem rumo, a colocar em xeque a estabilidade da Europa e do euro. Para alguns analistas, o pleito foi de fato um referendo que repudiou a Europa cada vez mais de Angela Merkel, a exigir austeridade, disciplina e governança – mas sem oferecer alternativas, já que piadas, bravatas populistas e frases de efeito não governam.

As três forças que dividiram os votos nas duas câmaras sem que se possa conceber alianças para a formação de governo estável, representam a ruptura com a ordem comunitária. Mario Monti, que ficou em quarto lugar, representava a única proposta racional e coerente, pelo que foi apoiado abertamente pelos líderes europeus. Se na Câmara dos Deputados a coalizão de esquerda de Luigi Bersani levou 55% das cadeiras, no Senado nenhuma maioria tornou-se possível, com a vitória apertada da coalizão de Berlusconi. A agravar o desequilíbrio, a grande força que emerge das eleições é o movimento do comediante Beppe Grillo, que sai do stand up televisivo para a ribalta política, no que se designou de tsunami eleitoral: 25% da Câmara e quase 24% do Senado.

Com campanha iconoclasta, sem concessões à política e aos partidos, Grillo começou do zero e arregimentou milhões de italianos para apoiar candidatos novos e sem experiência, reforçando a ideia da antipolítica e da desconstrução do poder dos profissionais de eleições. Tudo isso sob o lema "vamos mandá-los para casa", em relação aos políticos de carteirinha. Com discurso agressivo e permeado de promessas delirantes (o que caracterizou, de resto, as demais campanhas), para o pesadelo da burocracia de Bruxelas e da diplomacia alemã, as palavras de ordem foram desoneração tributária e anistia fiscal, gastos sociais ilimitados e a volta à emissão monetária sem o euro. Como argumento de força, a afirmação de que, se o Japão estivesse na Europa de Merkel por certo estaria falido.

Usando redes sociais e megacomícios em que desafiou a chuva e a neve para levar os italianos às praças sob o discurso confuso de voltar-se à democracia direta, contra a imprensa e a televisão, o cômico genovês mudou a cara do país. Mudou também a postura dos partidos e da política tradicional, obrigada a tomar em conta e a tentar contestar o fenômeno eleitoral.

Agredido e humilhado com violência verbal pouco vista, agora o establishment de Montecitorio deverá conviver e dialogar com seu detrator, sem o que nenhuma maioria poderá se constituir. Um quadro em que todos perderam e em que as eleições derrotaram a política, sob o risco de a Itália de amanhã passar de imediato a ser a Grécia de hoje. De toda maneira, será inevitável a aceleração da crise, com a mitigação das políticas comunitárias de austeridade e de ingerência nas dívidas soberanas dos países membros, a comprometer ainda mais o tênue equilíbrio e a sobrevida da União Europeia. O que virá? Estivesse Dante Alighieri ainda por aqui, por certo poderia afirmar: lasciate ogni speranza, voi che votate.

Jorge Fontoura, professor titular do Instituto Rio Branco, do Itamaraty, é membro titular do Tribunal Permanente do Mercosul e foi professor visitante da Faculdade de Direito da UFPR.

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