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Criada em 1992 por James Carville, estrategista da campanha de Bill Clinton, a expressão "It’s the economy, stupid" servia como lema interno dos apoiadores do quase desconhecido candidato democrata que enfrentava o presidente republicano George H.W.Bush, responsabilizado pela recessão daqueles tempos. Deu certo: o apelo logo se tornou slogan da campanha que levou Clinton à Casa Branca, popularizou-se e hoje, apesar da entonação grosseira, a palavra de ordem vale para qualquer situação em que seja necessário realçar algo crucial.

Na última terça-feira, o Axioma Carville travou, deixou de ser infalível. Os EUA se recuperam lenta e firmemente do estouro da bolha imobiliária que produziu em 2008 a maior crise econômica desde o fim dos anos 20 do século passado, com vastas e dramáticas implicações globais. Desemprego e déficit caíram pela metade, diminui rapidamente a intervenção federal em empresas, bancos e no próprio sistema financeiro.

A economia oferece repetidos e inequívocos sinais de recuperação, o que não impediu que o democrata Barack Obama sofresse uma surra histórica: os republicanos aumentaram o controle sobre a Câmara de Representantes e tomaram dos democratas a maioria do Senado. Sem o suporte legislativo, Obama terá de recorrer ao limitado e vulnerável arsenal de ações executivas e, principalmente, negociar com a oposição.

Eleições intermediárias funcionam como um implacável e paradoxal referendo: por um lado, favorecem as abstenções (nesta terça, dois terços do eleitorado não votaram), enquanto o partido do ocupante da Casa Branca quase sempre sai estraçalhado. O pêndulo vingador já encostou na parede campeões de voto à esquerda e à direita: Ronald Reagan, Bill Clinton e George W. Bush. Porém, a maldição do segundo mandato foi mais arrasadora com Obama graças a um trinômio de singularidades: é negro, é progressista, é um político coerente com seus princípios.

As minorias ficaram em casa enquanto a maioria antiobamista descarregou nas urnas os seus diferentes ressentimentos contra aquele que consideram vacilante: os belicistas que exigem um enfrentamento com o ditador sírio Bashar Assad, com Vladimir Putin e um maior envolvimento no combate às milícias do califado juntaram-se aos que não admitem qualquer reparo da Casa Branca à insana intransigência de Israel no tocante à criação de um Estado palestino.

A eles se agregam os que abominam qualquer preponderância do Estado, seja para oferecer assistência médica universal, controlar a venda de armas ou proteger o meio ambiente das crescentes agressões da indústria desregulada. Não admitem qualquer atenuação do boicote a Cuba e chegam ao absurdo de acusar Obama de ser soft on ebola (brando com os suspeitos de contaminação pela peste). Não tiveram coragem de manifestar seu arraigado racismo nas presidenciais de 2008 e 2012, mas não gostam do rigor do primeiro presidente negro diante dos excessos da repressão policial contra protestos de afroamericanos e latinos.

Os diferentes alinhamentos direitistas americanos se associaram para derrotar um presidente que procura conciliar sua atuação com suas crenças e convicções. Venceram-no e, diante da dimensão da façanha, resolveram humilhá-lo. A capa do tabloide New York Post, no dia seguinte ao pleito, teve o mérito de lembrar que o "jornalismo amarelo" (no Brasil é marrom) é made in USA.

O presidente Obama tornou-se para os americanos fanatizados pelo mercado e pelo individualismo, assim como para os assanhados direitistas do resto do mundo, a encarnação de um Estado solidário, garantidor da igualdade de direitos, de oportunidades e de bem-estar. Em outras palavras: comunista.

O pavor de ser considerado "de esquerda" é tão forte que, nas recentes eleições brasileiras, o candidato Aécio Neves, do PSDB, procurou apagar a sua imagem de social-democrata moderado, preferindo ser tachado de neoliberal, monetarista, conservador. Ao contrário do que acreditava Carville, o preocupante desempenho da economia não chegou a derrotar a candidata-presidente, Dilma Rousseff. Porém, os temores e a insegurança de Aécio Neves deixaram sua rival como dona absoluta da praia progressista.

Alberto Dines é jornalista.

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