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Em casa que falta pão…
| Foto: Pixabay

Nos últimos meses temos visto um intenso debate sobre questões ambientais relevantes, como a crise climática e o compromisso de países com a preservação ambiental. Porém estas discussões estão ultrapassando os limites do razoável, transformando-se em verdadeiros embates dignos de comparação às justas medievais, aqueles torneios que combates travavam com lanças, onde o cavaleiro tinha que derrubar o oponente com um golpe, numa arena, sem cair do seu cavalo. Num lado, vemos ambientalistas escorados num discurso fatalista, proclamando o caos respaldados por jovens, que de dedo em riste, apontam culpados por um futuro que lhes teria sido retirado. Noutro, líderes conservadores que desancam impropérios querendo desqualificar pessoas e minimizar o discurso fatalista, utilizando argumentos que negam, inclusive a existência de uma crise ambiental mundial.

O fato é que a realidade nos aponta exageros discursivos em ambos os lados e isso está trazendo um prejuízo incalculável para a solução de um problema que já está posto – a degradação ambiental. Ainda faz com que a sociedade se sinta na obrigação de tomar partido desta ou daquela posição como se o assunto dependesse de uma torcida ensandecida e aguerrida, assemelhando-se aos famosos hooligans ingleses, num campo virtual. Infelizmente este modo de agir está pervertendo a reta comunicação, tão necessária em tempos de tecnologia.

Precisamos voltar a defender a verdadeira liberdade de expressão que não pode se resumir a você poder falar tudo aquilo que eu concordo, do contrário estaria sendo radical. Buscar entender os pensamentos divergentes e suas principais contradições e pontos de conexão, intersecção e eventual convergência é tarefa mais que urgente para que encontremos as verdadeiras soluções nas questões mais latentes da sociedade moderna. Buscar o verdadeiro e salutar o diálogo, onde se cultivam virtudes como o respeito e o saber ouvir. Devemos aceitar críticas às nossas posições, aceitar o erro como natural a qualquer empreendimento humano, também saber que a aprendizagem com os outros e com suas experiências pode ser enriquecedor. Num verdadeiro diálogo cultivamos a nossa humanidade, hoje relegada a um segundo plano.

Numa sociedade plural como a que vivemos, a diversidade e a tolerância são valores irrenunciáveis, que adotam a forma de um ideal ao qual aspirar. Esta pluralidade não é uma perda, mas sim um ganho social, um valor transcendente. Propor as próprias convicções é uma prova de respeito pela inteligência do outro e de confiança na capacidade de interlocução humana.

Nas questões ambientais não pode ser diferente. A verdade nos demonstra que maltratamos continuadamente, ao longo de nossa história, nosso planeta. Independentemente de quem são ou foram os responsáveis estamos todos vivendo num mesmo lugar, nossa casa comum, a Terra, e que, portanto, estamos todos sujeitos à ação da natureza aqui existente. A simples discussão em torno de quem ou o que pode salvar o planeta, reduz o problema a soluções imediatistas e muitas vezes milagrosas, de propostas anarquistas às revolucionárias, bandeiras que somente almejam uma mobilização em torno de objetivos próprios, esquecendo-se do bem comum.

Unir-se em torno de um propósito facilita o sacrifício, fornece objetivos claros e geram um tipo de camaradagem que certamente é fruto da evolução. Perceba-se que as comunidades que não desenvolveram esta capacidade de mobilização grupal foram esmagadas durante as emergências, pois incapazes de se defenderem de ataques mais organizados, foram condenadas a perecer.

Pensar no Planeta como nossa casa comum não é algo tão novo quanto parece, é mais um resgate ao que os gregos nos propuseram ao definir o sentimento ecológico como “oikophilia”, donde: “oikos” = casa e “philia” = amor. Amor a casa, ao lar “que compreende nossas ligações mais profundas e contagia as emoções morais, estéticas e espirituais que transfiguram o nosso mundo, criando, em meio às emergências, um abrigo capaz de amparar as futuras gerações” (Filosofia Verde, Roger Scruton, pg. 194). Nosso lar é criado não como um santuário ou um memorial, mas sim como o lugar em que a vida prossegue, no qual amor, afeição e obrigações mútuas são renovados. Não um lugar qualquer, mas sim aquele que abriga quem amamos e dos quais dependemos; onde se compartilha, aquele que se defende, pelo qual se é designado a lutar e morrer.

Precisamos modificar nossa forma de encarar as questões que envolvam os problemas ambientais que estamos identificando, abrindo-nos ao diálogo e exercendo nossa humanidade. Afinal “em casa que falta pão, todos brigam” ninguém tem razão.

Glauco Requião, advogado, consultor em sustentabilidade e criador do portal Postura Sustentável.

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