• Carregando...

O ofício de levar informação à sociedade existe há quatro séculos. Ao longo deste tempo construiu-se a profissão de jornalista que, por tamanha responsabilidade, à medida que se desenvolveu o ofício, adquiriu função social cada vez mais basilar. E para dar conta do seu papel, o jornalismo se transformou e precisou desenvolver habilidades técnicas e teóricas complexas e específicas, além de exigir, também sempre mais, exercício baseado em preceitos éticos e realmente expressivo da diversidade de opiniões e pensamentos da sociedade. Por isso, a formação superior específica para o exercício do jornalismo há muito é defendida não só pela categoria dos jornalistas. A própria sociedade vem exigindo. E não apenas quando declara esta necessidade explicitamente, como na recente pesquisa Sensus (mais de 70% dos brasileiros são favoráveis à obrigatoriedade do diploma), mas também quando reclama por mais qualidade e democracia no jornalismo.

Tal cenário não é exclusivo do Brasil. É tendência mundial, conforme o professor, pesquisador e teórico português Nelson Traquina. Em seu livro A tribo jornalística – uma comunidade interpretativa transnacional, sublinha, com base em pesquisa em diversos países, que o processo de profissionalização dos jornalistas "é irreversível", tendo a formação universitária como "uma metatendência" na sua evolução.

No Brasil, a exigência do diploma é um dos pilares da nossa regulamentação profissional. E não se pode aceitar que seja tachada de antidemocrática nem de restritiva das liberdades de expressão e de imprensa. Por acaso são os jornalistas, com seus registros profissionais, que impedem a sociedade de se expressar, opinar e ter seus reais interesses estampados na mídia? Por acaso, com o fim desta exigência, qualquer cidadão passa a ter garantido o livre acesso para informar e ser informado em qualquer veículo de comunicação? Quem vai escolher – e baseado em quais critérios – os cidadãos para exercerem a profissão?

A obrigatoriedade do diploma para o exercício do jornalismo, na verdade, constitui uma das garantias do cumprimento da sua função social, o que depende da prática profissional qualificada, inclusive tecnicamente, e baseada em preceitos éticos e democráticos. E "uma" das formas – apenas uma, mas extremamente fundamental – de se preparar, de se formar jornalistas capazes a exercer tal prática é por meio de um curso superior de graduação específica. É histórica no movimento sindical dos jornalistas a luta pela necessidade formação profissional e sua qualidade. Desde nosso primeiro Congresso Nacional, em 1918, discutimos sua importância. Na década de 40, os cursos de jornalismo começaram a ser implantados. E nossa regulamentação profissional – conquista que já conta com mais de 70 anos – há quase 40 anos inclui a obrigatoriedade da formação. Portanto, a história mostra que não se trata de questão isolada e muito menos exclusivamente corporativista. Queremos, sim, a exigência da formação. Mas em cursos com qualidade para formar profissionais técnica, teórica e eticamente habilitados a produzir informação voltada efetivamente ao interesse público.

A Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) insiste que, de todos os argumentos contrários à obrigatoriedade da formação superior, o que culpa a regulamentação profissional e o diploma pela falta de liberdade de expressão na mídia e pelo cerceamento do direito da sociedade à informação talvez seja o mais ingênuo, o mais equivocado e, dependendo de quem o levante, o mais distorcido e com os mais escusos propósitos. Não é à toa que justamente empresas de comunicação são as que mais usam e abusam deste argumento. Serve aos seus interesses confundir o cerceamento à liberdade de expressão e a censura com o direito de os jornalistas terem uma regulamentação que exija o mínimo de qualificação. Assim também procederam quando os jornalistas, da mesma forma que outras categorias de profissões regulamentadas, buscaram conquistar o direito à auto-regulamentação, através de um Conselho Federal. Não agiram diferente quando a categoria tentou avançar na regulamentação. Para a Fenaj, o ataque contemporâneo do neoliberalismo à nossa profissão é mais um ataque às liberdades sociais e às profissões em particular, ampliando o campo das desregulamentações em geral. No caso do fim da exigência do diploma, os donos da mídia é que se transformarão "em donos absolutos e algozes das consciências dos jornalistas e, por conseqüência, das consciências de todos os cidadãos". Portanto, o ataque não atinge apenas os jornalistas. "Fere frontalmente a sociedade em seu direito de ter informação apurada por profissionais, com qualidade técnica e ética, bases para a visibilidade pública dos fatos, debates, versões e opiniões contemporâneas. É um ataque, portanto, ao próprio futuro do país e da sociedade brasileira".

Somos mais de 60 mil jornalistas em todo o Brasil. Milhares de profissionais que somente através da formação, da regulamentação e da valorização profissional conseguirão garantir dignidade para sua profissão e qualidade, interesse público, responsabilidade e ética para o jornalismo praticado hoje no Brasil.

Sérgio Murillo de Andrade e Valci Zuculoto, jornalistas e professores, são, presidente e diretora de Educação da Fenaj.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]