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Empresas estatais e proteção de dados
| Foto: Pixabay

Bancos de dados são compartilhados entre empresas para municiar (quase literalmente) setores de telemarketing. Algoritmos de busca esquadrinham nossas preferências e sugerem nossa próxima compra ou destino de viagem. Polêmicas envolvem grandes empresas do setor de tecnologia sobre a suposta quebra de sigilo dos usuários de redes sociais e smartphones – o principal executivo de uma delas tapa a webcam de seu computador com fita adesiva. Brada-se que os microfones de nossos celulares estão ativos 24 horas por dia. A luta pelo mercado é hoje, principalmente, uma luta pela obtenção de dados.

Na obra Como mentir com Estatística (1ª. ed. 1954), Darrell Huff demonstra com maestria como dados podem ser manipulados para transmitir a mensagem desejada. Se “a propaganda é a alma do negócio”, é certo que, cada vez mais, dados são a alma da propaganda.

A luta pelo mercado é hoje, principalmente, uma luta pela obtenção de dados

Nesse contexto, espanta que até o momento apenas algumas empresas tenham inserido em seu radar a Lei 13.709/2018, conhecida como Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Ainda que a entrada em vigência da lei em questão esteja programada apenas para fevereiro de 2020 (ou agosto de 2020, caso seja aprovada a MP 869/2018), a falsa sensação de tempo de sobra já deveria estar sendo substituída por sentimento de preocupação, haja vista a importância dos deveres criados e o imenso impacto que a LGPD terá sobre todas as atividades empresariais.

À medida que a LGPD tem por intuito primordial criar regras para o tratamento (coleta, armazenamento e manejo) de dados pessoais por terceiros, suas regras se aplicam a praticamente todas as empresas, visto que, muito provavelmente, ao menos em alguma etapa da cadeia produtiva elas lidarão com dados de pessoas.

Não poderiam passar imunes à lei os órgãos e entidades da administração pública – aí incluídas as empresas estatais – expressamente submetidos às regras da LGPD por força de seu art. 3º, que assenta a aplicabilidade da lei para “qualquer operação de tratamento realizada por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado”. Tanto é assim que a LGPD destina capítulo próprio (capítulo IV - artigos 23 a 32) para regular o tratamento de dados pessoais pelo poder público.

Leia também: Autoridade Nacional de Proteção de Dados: uma omissão corrigida (artigo de Camila Giacomazzi Camargo, publicado em 16 de fevereiro de 2019)

Leia também: Fase de adaptação na Lei Geral de Proteção de Dados (artigo de Andreia Santos, publicado em 12 de outubr de 2018)

É correto afirmar, assim, que a partir da LGPD, incorpora-se um elemento adicional aos programas de compliance das estatais, assim como àqueles das empresas privadas e dos órgãos e entidades da administração pública, que devem passar a se preocupar, na estruturação de seus programas de integridade (notadamente nos aspectos de gestão de riscos e processos), com a previsão específica de uma política interna de tratamento de dados pessoais, de acordo com a LGPD.

Considerando, no entanto, que diversas estatais ainda não se adequaram integralmente às exigências de seu estatuto legal (Lei 13.303/16), vigente desde julho de 2018, resta saber quanto tempo demorarão para, tal qual algumas empresas privadas já o estão fazendo, movimentarem-se e se adequar às exigências da LGPD. Em última análise, a pergunta é: quanto tempo levarão as estatais para compreender que, na atual era da informação, tudo são dados?

Fernando Menegat é advogado em Curitiba, doutorando em Direito pela USP e professor de Direito Administrativo da Escola de Direito e Ciências Sociais da Universidade Positivo.

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