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Pessoas andando pelas ruas de comércio popular em São Paulo após a reabertura: número de infectados no Brasil deve bater 1 milhão de casos de coronavírus esta sexta.
Pessoas andando pelas ruas de comércio popular em São Paulo após a reabertura| Foto: Nelson Almeida / AFP

Em reunião recente do Conselho da Editora do Senado, a conselheira Ana Luísa Escorel indagou “o que esquecemos de fazer, para deixarmos o Brasil nesta situação, no lugar de termos construído uma nação condizente com o tamanho de nosso território e de nossa população, nossa riqueza natural e cultural?” Há muitas respostas complexas, mas uma simples: esquecemos o povo.

Em 19 de novembro de 1889, 65% da população brasileira era analfabeta, mas a bandeira da República foi desenhada com lema escrito, ignorando na ocasião seis milhões de pessoas incapazes de ler. Em 2020, o número de analfabetos dobrou. Ao longo desse período, pode-se estimar que pelo menos 25 milhões de brasileiros morreram adultos sem reconhecer a bandeira. Ao longo de toda a República, esquecemos de alfabetizar o povo e deixamos quase toda a população sem a educação necessária para construir uma grande nação no século XXI.

Em 2018, depois de 35 anos de democracia, dos quais 26 governada por democratas-progressistas, 14 por governos de esquerda, deixamos 100 milhões sem saneamento, 35 milhões sem água, a economia em recessão, 12 milhões de desempregados; políticos sem credibilidade, sem compromissos e sem visão nacional para longo prazo.

A história da República é a do esquecimento do povo e do enriquecimento da minoria, da depredação da natureza e das finanças públicas, da montagem de um Estado ineficiente e inflacionário. Fizemos um país corporativizado para poucos. Condenamos o povo à exclusão: da bandeira nacional, do saneamento, da educação, da saúde, do futuro e da esperança. Concentramos a renda nacional, usamos recursos públicos para proteger indústrias que nem sempre criaram empregos. Fizemos estradas, viadutos e estádios, mas não fizemos escolas, nem redes de saneamento e água. Fizemos política sem grandeza e sem perspectiva histórica.

Nossa “direita” se preocupa com o lucro dos donos dos hospitais privados, e nossa “esquerda” defende mais os servidores dos hospitais estatais do que os doentes na fila em suas calçadas. Recentemente, houve preocupação com a desigualdade na preparação entre os que fazem o Enem, mas não há preocupação com a desigualdade entre os que fazem Enem e aqueles que abandonaram a escola antes do final do ensino médio. Há uma militância em defesa de cotas para o ingresso no ensino superior, nenhuma para a cota de 100% para aprender a ler e concluir o ensino médio com qualidade.

Esquecemos o povo. Agora pagamos o preço desse esquecimento. O eleitor se vingou votando no atual governo sem ideias democráticas, nem progressistas, sem projeto para o futuro do país, continuando a esquecer o povo e ainda provocando retrocessos inclusive nas boas coisas feitas até aqui.

Essa é a resposta à pergunta da conselheira Ana Luísa.

Cristovam Buarque é professor emérito da Universidade de Brasília.

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