| Foto: Daniel Castellano/SMCS
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“O Estado pode proteger as pessoas, em situações excepcionais, mesmo contra sua vontade”, disse o ministro Luís Roberto Barroso em sessão deliberativa do STF acerca da constitucionalidade da vacinação compulsória.

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Vacinas são uma das principais invenções da humanidade. Talvez, uma das maiores descobertas da medicina. Com certeza as vacinas são um dos principais fatores responsáveis por sermos hoje mais de 7 bilhões de seres humanos! Quer exemplos? A varíola foi erradicada em 1980. No Brasil, a poliomielite, doença que causa paralisia e dificuldades de locomoção, foi registrada pela última vez em 1989. Antes disso, vitimou milhares de pessoas.

Antes das vacinas, as doenças atingiam todos os segmentos da sociedade. Luís de Orleans e Bragança, herdeiro de Dom Pedro II, tem sequelas da poliomielite. Por outro lado, a desinformação geral fez com que o sarampo reaparecesse no Brasil. Essa doença pode deixar sequelas graves em crianças, como surdez e cegueira. A Covid-19 já matou quase 2 milhões de pessoas mundo afora. É fundamental apoiar qualquer programa de vacinação global. Só assim poderemos visitar amigos e familiares sem medo de infectá-los ou sermos infectados. Não se vacinar implica ficar vulnerável à doença e, não menos importante, contribuir para que a epidemia continue. Hoje, sabemos que não há imunidade de rebanho sem que 60% da população esteja imune à doença.

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Mas esse é o único comportamento de risco possível? Fumar é fator de risco para câncer. Ingerir açúcar em excesso é fator de risco para diabetes. Consumir sal em excesso é fator de risco para doenças cardíacas. Em geral, consumir drogas é fator de risco para vício ou morte por overdose. Ter relações sexuais desprotegidas é um fator de risco. Ser portador de HIV e ter relações sexuais sem proteção implica propagar a doença.

Onde traçar a linha que divide quais comportamentos de risco devem sofrer sanções do Estado e quais não? Quais são as situações excepcionais? Se amanhã algum governo quiser erradicar a Aids no Brasil, seria válido aplicar um lockdown dos soropositivos? Estudos apontam que, no Brasil, um dos grupos com maior prevalência de soropositivos é o dos travestis. Estima-se que 30% dos travestis são soropositivos contra 0,4% da população em geral. E se um político decidir que esse grupo específico de pessoas precisa ser compulsoriamente testado e tratado? Poderia o Estado adotar medidas de restrição à liberdade em nome da erradicação do vírus HIV?

É sabido que a forma de contaminação e a letalidade dos vírus HIV e Sars-CoV-2 não são diretamente comparáveis; contudo, para combater precedentes tirânicos como este, a liberdade associada à responsabilidade individual é um freio moral essencial.

Não há um princípio geral, não há um princípio do direito natural que trace uma linha separando os comportamentos de risco que serão coibidos por lei e quais são frutos da livre escolha sobre o que fazer com o próprio corpo. O liberalismo social e político se baseia no princípio da não agressão. Os meios importam tanto quanto os fins. Forçar as pessoas a fazerem algo bom continua sendo uma agressão. “Todos têm direito de tomar suas próprias decisões, mas ninguém tem o direito de forçar sua decisão sobre os outros”, já dizia a filósofa russa Ayn Rand.

A liberdade e o livre arbítrio pressupõem que as pessoas podem fazer escolhas ruins ou condenáveis. Cabe à lei mediar conflitos entre elas. Para decisões com consequências apenas em nível pessoal, resta apenas convencer. Tornar a vacinação obrigatória, com sanções severas a quem não a tomar, pode levar a população a ter uma visão negativa sobre as campanhas de vacinação. “Por que estão me obrigando a fazer isso? Se fosse bom, não precisaria me obrigar”, pensará o indivíduo menos informado.

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Aquele que, por ignorância, acredita que as vacinas fazem mal não irá tomá-la (obrigado ou não pela lei). E quem entende a importância da vacina para o fim da pandemia se vacinará com ou sem lei. Em termos práticos, nada muda. O voto é obrigatório e, em toda eleição, milhões deixam de votar. Em países cuja votação não é obrigatória, há mais participação que na nossa. Um exemplo recente é o das eleições presidenciais americanas, comparadas às nossas eleições municipais de 2020.

Entregar a tutela de sua saúde ao Estado pode ser irrelevante no atual contexto de vacinação, mas é um precedente filosófico perigoso. Responsabilidade pressupõe liberdade. Apenas pessoas com a possibilidade de escolher são, de fato, responsáveis. Nosso aparato político pressupõe que não gostamos de ter responsabilidade individual e coletiva. Em termos de política, o povo brasileiro toma para si a pergunta do Alexandre Pires, do grupo SPC: “O que vou fazer com essa tal liberdade?”

Felipe Martins Passero, CFA, é administrador de empresas e associado do IFL-SP.