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Divulgado pelos vespertinos e proclamado pelo rádio na noite de 10 de Novembro de 1937, o golpe (na ocasião dizia-se putsch, o alemão era a língua preferida pelos totalitários) começou a ser acionado cerca de quarenta dias antes. Em 29 de setembro, o ministro da Guerra (depois presidente da República), Eurico Gaspar Dutra, anunciou a descoberta de um plano bolchevique para a tomada do poder.

Forjado por militares ligados à Ação Integralista Brasileira (majoritária nas forças armadas), o plano teria sido preparado por um agente do Komintern chamado Cohen que evidentemente nunca existiu. A intenção dos falsários era relacioná-lo com as sublevações bolcheviques da Alemanha e Hungria de 1919 lideradas pelos judeus Rosa Luxemburgo e Bella Kuhn. Estava na ordem do dia a "conspiração mundial judaico-bolchevique" vociferada por Hitler, "Plano Cohen" pegava bem. Sob todos os aspectos.

Não houve combates nem enfrentamentos. Nas ruas, apenas as costumeiras marchas militares organizadas pelos integralistas. A ditadura implantada naquele momento estendeu-se por oito anos (até 1945), deixou profundas marcas em nossas instituições e se confundiu com os 15 anos do regime Vargas.

Democracia nocauteada em grande parte da Europa (Alemanha, Itália, Portugal, Polônia, Hungria), o stalinismo dominante na União Soviética e, na Espanha, os republicanos, legalistas, batidos pelos rebeldes franquistas – neste panorama autocrático, eram inoportunas e inconvenientes as eleições para a escolha do sucessor de Vargas.

Mesmo porque dos três candidatos, dois estavam sendo manobrados pelo governo (José Américo de Almeida e Plínio Salgado) e, o terceiro, Armando Salles de Oliveira, minoritário, representava as indóceis elites paulistas aliadas aos libertários gaúchos.

Uma nova Constituição vinha sendo preparada em segredo há tempos pelo jurista Francisco Campos. Golpe branco, sem mortos ou feridos. Ninguém saiu à rua para chorar o assassinato do Poder Legislativo em todos os seus níveis e apenas dois governadores demitiram-se para protestar contra o massacre da Federação. Embora o DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) só fosse instalado dois anos depois, a imprensa estava formalmente sob censura. Apesar dos protestos do pequeno e incansável Herbert Moses, presidente da ABI.

O fascismo estava na moda, dernier-cri em matéria política. E não apenas das elites. Mesmo que a hipótese de uma guerra ainda fosse remota, a vitória do nazi-fascismo era dada como certa. Os militares brasileiros estavam interessados em visitar seus colegas da Alemanha, os aviões que queria comprar eram os italianos. Franklin Roosevelt e o seu "New Deal", Novo Pacto, eram vistos com desconfiança pela esquerda "antiimperialista" e pela direita xenófoba. Ao escolher um nome para batizar sua grife política Vargas recorreu à imagem do Estado Novo lançada no mercado político pelo ditador português, Oliveira Salazar, em 1930.

A nova Constituição preconizava um estado forte, centralizador, em todas as esferas. As idéias do ex-socialista Benito Mussolini fascinavam os intelectuais, nativistas ou cosmopolitas. A Igreja, batida no século anterior pelas idéias maçons e em seguida pelos positivistas, sonhava com uma desforra. Evidentemente não pretendia reinstalar o Santo Ofício, mas algo parecido com o Estado teocrático. Não lhe bastava o presente oferecido por Vargas ao construir o monumento do Cristo Redentor no alto do Corcovado,

A importância das "classes laboriosas" já fora prevista com a criação do Ministério do Trabalho no início dos anos 30 (e a criação do imposto sindical), mas os fundamentos corporativos da Carta del Lavoro de Mussolini estão muito presentes na Carta de 1937 graças ao controle total do Estado sobre a vida sindical. O nome foi cunhado posteriormente, mas o peleguismo é filho dileto do Estado Novo.

Há outros, da mesma estirpe. Apesar de transcorrida há 70 anos esta abjeta experiência totalitária precisa ser expurgada. Não se trata apenas de rememorá-la. Apesar das duas festivas redemocratizações (1945 e 1985), a grande catarse ainda não aconteceu. Há muitos fascismos por aí, mesmo com o pretexto de denunciar o fascismo.

Alberto Dines é jornalista.

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