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Se quiser ler o texto até o fim, deixo claro um ponto: sou apaixonado por futebol. Sou daqueles que assiste ao campeonato russo e critica o treinador do Spartak por deixar o Kombarov de fora, sou daqueles que vai amarradão ao Marcelo Stéfani (ou Nabizão) e paga pra ver Bragantino x Santa Cruz.

Acompanho futebol desde que me entendo por gente. Lembro minha mãe repassando a história que seu avô lhe contara, de que o gol de Ghiggia em 50 fez um silêncio tão sepulcral que ouvia-se qualquer ruído feito do Maracanã até as ruas de Belo Horizonte, e vice-versa. Lembro a empolgação do meu pai ao contar como o Pelé destruía as defesas alheias, principalmente a do Corinthians. Histórias dos meus tios, primos, amigos que me fizeram sentir como se estivesse no Morumbi em 74 xingando Rivellino (depois me arrependeria, claro), ou invadindo a Via Dutra até chegar ao Maracanã em 76... acho que eu também pulei o alambrado para tentar abraçar o Basílio em 77... passei raiva com a seleção de 78 que, mesmo invicta, terminou eliminada... chorei com a decepção de 82 quando Falcão, Sócrates e Zico não ergueram a Copa, mas ainda no começo dos anos 80, junto com Sócrates e Casagrande, meu Timão e eu pedimos a volta da democracia.

Nasci em 86, ano de Copa, provavelmente chutei a barriga da minha mãe quando Zico perdeu o pênalti contra a França. Não só por culpa dos meus primos, todos corintianos, que contrariei a vontade dos meus pais e não virei santista; uma ausência no time de Lazaroni também tem sua parcela de culpa. A Copa de 90 é primeira memória futebolística que tenho e não foi adquirida dos relatos de terceiros. É daquele time decepcionante; na verdade, é uma única lembrança, o questionamento que fiz à minha mãe: "por que aquele cara foi expulso, mãe?"; a resposta seca de quem sempre se empolga demais com as copas: "porque ele é burro". Ricardo Gomes acabara de ser expulso contra a Argentina. Naquele mesmo ano, o mediano Corinthians foi campeão brasileiro comandado por um Neto genial. Surgia o meu corintianismo, graças ao craque que não foi à Itália, mas levantou o título nacional. Se o Brasil fosse campeão com Muller e Careca brilhando, eu poderia ser são-paulino, mas Deus é fiel e sabe o que faz...

A Copa de 94 foi a Copa da minha vida, desde as eliminatórias, quando Romário foi convocado pelo povo após a derrota do Brasil para a Bolívia, até o pênalti isolado por Baggio. Das lendas Hagi e Stoichkov, que levaram as medíocres Romênia e Bulgária a eliminações históricas de times como Argentina e Alemanha, ao álbum completo da Copa, me recordo de cada minuto daquele campeonato. Tudo muito organizado, grandioso, estádios fantásticos num país pujante e continental, que irradiava a alegria de receber os melhores jogadores do mundo, de leste a oeste. Do alto dos meus 7 anos de idade sonhei com o dia em que o Brasil seria um país capaz de organizar um evento grandioso, com estádios fantásticos (como o Pontiac Silverdome) e receber os craques com a nossa devida alegria e o amor que boa parte da população brasileira nutre pelo futebol.

Desde então se passaram quatro copas; me decepcionei na França, tive a alegria na Ásia, reverenciei Zidane na Alemanha, me emocionei e fiquei preenchido de esperança na África. Emocionei-me com a capacidade dos sul-africanos em querer celebrar sua identidade, seus heróis e sua recente história de permanente luta pela liberdade e pela igualdade. Claro, por isso veio a esperança: a próxima Copa seria aqui, no Brasil, um país muito mais organizado e estruturado que a África do Sul.

O sonho do menino de 7 anos realizar-se-ia 20 anos depois. Nós, brasileiros, faríamos um evento grandioso e organizado como os norte-americanos, mas que também seria festivo e simbólico como o dos sul-africanos. Era isso o que prometiam o rei, o presidente da CBF e o bobo. A Copa resolveria problemas de mobilidade urbana, infraestrutura aeroviária e de qualificação profissional (afinal, temos todos de receber nossos visitantes com fluência na comunicação anglo-saxã). Sim, eu tive esperança. Exemplos de legados como Barcelona e Alemanha foram as teses-guia dos discursos e entrevistas; seguiríamos o "padrão Fifa" de qualidade e não haveria dinheiro público nos estádios particulares.

A menos de uma semana do pontapé inicial na Arena "ostentação" Corinthians, já pudemos ouvir todos os tipos de explicações e desculpas sobre a organização da Copa, desde os aeroportos "padrão Brasil" até o conformismo de saber que "o que era pra ser roubado já foi"...

Estragaram a Copa dos meus sonhos: a única coisa grandiosa nessa Copa são os valores exorbitantes de recursos públicos desprendidos nos estádios e o único fato organizado foi o sistemático atraso das obras de mobilidade e infraestrutura. Para completar, em vez de alegria por termos a Copa vejo indignação; só para usar o exemplo do Paraná, os repasses do governo federal para a construção da Arena da Baixada foram todos feitos, sem nenhum atraso e/ou questionamento acerca da capacidade de o Paraná recebê-los. Já os recursos para saúde, educação e infraestrutura estão há cerca de um ano parados, apesar dos pareceres judiciais favoráveis; a cada dia inventa-se alguma desculpa para que os recursos não sejam repassados ao estado.

Neste ano de Copa, em vez da alegria, a indignação com a situação do Brasil que é endêmica.

Mas isso não vai impedir que eu acompanhe a Copa, colecione as figurinhas do álbum, torça para que craques como Messi, Cristiano Ronaldo e Van Persie brilhem, participe de bolões, vá aos estádios e vibre com a seleção. O que quero mesmo é que essa Copa seja como as outras: um marco em minha vida. Assim como 90 me fez corintiano, 98 significou a mudança da minha família para outra cidade e 2010 mostrou a importância da liberdade, da igualdade e da valorização de nossas raízes; espero que a Copa de 2014 seja o marco da mudança daquilo que nós, brasileiros, não suportamos mais, da quebra do paradigma de que o "jeitinho" supera o planejamento, e o fim da esculhambação geral da República.

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