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É comum, no Brasil, muitas pessoas considerarem o lucro algo quase pecaminoso e a empresa privada que visa lucros um mal necessário que deve, portanto, ser bem controlada pelo governo. O governo, nessa visão, é visto como o repositório confiável e eficiente do interesse coletivo. Para os que pensam dessa forma, é quase paradoxal falar em ética nos negócios, pois, consciente ou inconscientemente, associam negócios a falta de ética.

De outra parte, há os que vêem o governo como inimigo. Um ente que só arrecada de forma quase extorsiva e não fornece quase nada –- ou, pelo menos, nada compatível – em troca dos recursos retirados dos contribuintes. Para estes, sonegação de impostos, contrabando, pirataria, não-cumprimento da legislação trabalhista e outras "desobediências" são atos justificados como forma de defesa do contribuinte contra a ferocidade fiscal do governo e não representam falta de ética nos negócios.

Infelizmente, é grande e crescente o contingente de brasileiros que pensa dessa forma. Entretanto, como mostraremos abaixo, a ética nos negócios é indispensável para o crescimento econômico, sadio e sustentado, em uma economia de mercado.

Para comprovar essa assertiva, devemos começar lembrando que a vida em sociedade exige regras de convivência. Caso não existissem essas regras ou não fossem elas respeitadas, vigoraria a lei das selvas, a do mais forte ou a do mais esperto. Nesse ambiente, o espaço para o progresso humano é extremamente diminuto.

Foi exatamente a elaboração de leis que estabeleceram normas de comportamento que permitiu a convivência de humanos de clãs diferentes e viabilizou o progresso da civilização.

Logicamente, não bastou a mera existência de leis. Foi necessário que fossem consideradas justas e adequadas para serem respeitadas pela maioria da população. E aqueles que não as obedecessem seriam punidos.

Em uma economia de mercado, a necessidade da existência de regras de comportamentos, direitos e deveres que sejam respeitados e obedecidos é talvez ainda mais importante.

A atividade econômica, seja na esfera da produção, seja na das trocas, requer a confiança de que o acertado seja cumprido – e, se não for, que existam meios de exigir o cumprimento. Quanto mais houver obediência espontânea das regras (comportamentos éticos), menos tempo e dinheiro serão desviados para a defesa de eventuais comportamentos não-éticos e para acionar os mecanismos de defesa dos direitos. Com isso, mais recursos e esforços podem ser aplicados nas atividades de produção e de trocas, aumentando o produto social e o bem-estar econômico.

Especialmente em relação a investimentos, a confiança no cumprimento dos contratos é indispensável. Os investimentos – condição necessária e, na maioria das vezes, suficiente para o crescimento econômico – representam uma aposta no futuro desconhecido. Investe-se hoje para colher resultados no futuro. Em outras palavras, paga-se hoje para receber depois. Para alguém se dispor a fazer tal transação, é preciso confiar no respeito ao tratado. Quanto mais confiança houver, mais dispostas as pessoas estarão para poupar e investir. Portanto, maiores serão as perspectivas de crescimento econômico.

Ao inverso, se há desconfiança generalizada sobre o respeito ao que foi combinado, menor é a disposição de poupar e investir e menores são as perspectivas de crescimento. Investir representaria um grande risco que só atrairia aventureiros e oportunistas que exigiriam elevado retorno no menor prazo possível. Receber muito e rapidamente e, depois, cair fora.

Essas considerações levantam sérias preocupações em relação ao futuro do Brasil. Vivemos em um momento muito delicado da vida nacional, em que comportamentos éticos não só não são valorizados como também chegam a ser considerados antiquados e ultrapassados. Em que a alegação de que todo mundo é desonesto se torna justificativa para o desrespeito às leis. E em que a repetida impunidade gera grande desânimo em quem cumpre suas obrigações e se torna grande estímulo a atividades ilegais.

É preciso dar um basta no perverso processo de desagregação social gerado pela falta de ética nas relações sociais. É preciso dar um basta no processo de canibalização das atividades econômicas gerado pelo desrespeito à legislação tributária, trabalhista e previdenciária. Esse é o objetivo maior da luta pela ética nos negócios.

ANDRÉ FRANCO MONTORO FILHO é economista, doutor em Economia pela Universidade de Yale (EUA), professor titular da Faculdade de Economia e Administração da USP e presidente do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (Etco). Foi secretário de Economia e Planejamento de São Paulo (1995 a 2002) e presidente do BNDES (1985 a 1988).

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