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Europa aposta na autodestruição em nome do humanismo sem humanidade

Macron pede que Rússia aceite paz e que Europa concorde com plano de garantias
Presidente da França, Emmanuel Macron (Foto: EFE/EPA/ABDUL SABOOR / POOL MAXPPP OUT)

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A Europa, berço da civilização ocidental, deu ao mundo a catedral gótica, o romance russo, a sinfonia de Beethoven, o direito romano e a filosofia de Atenas. Hoje, porém, ela oferece aos olhos perplexos do mundo um espetáculo melancólico: a estátua derrubada do pensamento, um continente exaurido que trocou sua herança milenar por slogans vazios de inclusão, cotas de carbono e identidades fluidas. A Europa, em suma, cansou de ser Europa.

Há algo de profundamente constrangedor em assistir ao suicídio cerimonial de uma civilização. Não um suicídio por desespero, desses com bilhete e drama, mas uma espécie de eutanásia ideológica, consentida. A decadência não é novidade, mas há algo de particularmente patético na forma como ela agora se manifesta. Os bárbaros já não precisam invadir os portões – foram convidados a entrar, com tapete vermelho, Wi-Fi gratuito e promessas de cidadania. E se ousarem desafinar do canto coletivo da tolerância compulsória, são prontamente educados por burocratas sobre como viver num mundo sem fronteiras, sem história e, se possível, sem Deus.

A União Europeia, essa construção tecnocrática que prometia uma utopia supranacional, revelou-se um Leviatã de papel: regulando o formato do pepino, mas impotente diante da erosão civilizacional

A chamada "crise migratória" é o sintoma mais visível, mas não o mais profundo. O problema real não são os que chegam, mas os que já estavam. A elite europeia – essa classe política formada em universidades que produzem mais ativistas do que estadistas – parece convencida de que a identidade nacional é um vício, a religião uma doença e a tradição uma aberração. Em vez disso, celebra o “diverso”, mesmo que isso signifique entregar bairros inteiros de Paris, Berlim ou Estocolmo a enclaves paralelos onde o Estado de Direito é uma lembrança distante e a sharia uma presença muito concreta.

A União Europeia, essa construção tecnocrática que prometia uma utopia supranacional, revelou-se um Leviatã de papel: regulando o formato do pepino, mas impotente diante da erosão civilizacional. Bruxelas não constrói catedrais, apenas comitês. O Parlamento Europeu não inspira líderes, apenas demagogos. A máquina da integração forçada exige que todos falem a mesma novilíngua, uma espécie de esperanto ideológico em que “progresso” significa decadência moral e “solidariedade” quer dizer impostos para financiar a própria rendição cultural.

A cultura europeia – aquela verdadeira, feita de Dante, Cervantes, Goethe e Shakespeare – não foi assassinada por jihadistas, mas pelos curadores dos museus e pelos departamentos de sociologia. Preferiu-se substituir Bach por Beyoncé, São Tomás de Aquino por Michel Foucault, e o resultado está à vista: uma juventude que não sabe de onde veio, não quer ter filhos e considera o suicídio assistido uma forma de autonomia pessoal.

A cultura e tradição do continente? Já não existem mais. Transformaram-se num museu autoflagelante. Seus artistas já não criam – protestam. Seus escritores já não narram – denunciam. E suas universidades já não formam – doutrinam. A catedral de Notre-Dame pegou fogo; a alma da Europa, essa já está em cinzas há muito tempo.

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Entregue à sua própria culpa histórica, os europeus preferem prender vovós por postagens no Facebook do que admitir que abriu mão da liberdade em nome da diversidade compulsória. A França, que já decapitou reis e filósofos, a França, lar da liberdade, igualdade e fraternidade, padece com um regime globalista e eviscera sua herança. A liberdade de expressão, ao que parece, é válida apenas quando se insulta cristãos ou se celebra o hedonismo como virtude pública. Já na Inglaterra, país que já se orgulhou de produzir Churchill, agora se orgulha de prender senhores de 70 anos por memes ofensivos. O império onde o sol jamais se punha está agora em permanente eclipse moral.

E o que diz Bruxelas? A capital da tecnocracia sorri satisfeita. Seu projeto deu certo: produziu uma Europa unificada – não em grandeza, mas em irrelevância. Uma federação de países que já não têm fronteiras, mas têm 48 versões de pronome neutro. Onde a oposição conservadora é tratada como vírus, enquanto o islamismo radical é considerado “riqueza cultural”.

O mais trágico, porém, não é que o continente esteja sendo destruído. É que ele mesmo pediu a dinamite, acendeu o pavio e agora distribui panfletos dizendo que tudo faz parte de uma "nova sensibilidade global". A decadência, quando estilizada, parece progresso. Pelo menos até o último museu virar mesquita, e o último europeu lembrar, em silêncio, que a liberdade foi trocada pela diversidade.

A Europa, que outrora foi lar da civilização, parece agora empenhado em uma experiência inédita na história: a autodestruição voluntária em nome de um humanismo sem humanidade. Um humanismo de fronteiras abertas e fronteiras morais fechadas. Um humanismo que rejeita o próprio humano, feito de carne, fé, história e pátria. O velho continente está velho mesmo – não por tempo, mas por cansaço. Cansou de si, de seus valores, de sua fé, de sua história. A única coisa que não cansou foi de nos dar lições. E nesse ponto, ao menos, permanece fiel a si mesma: a Europa sempre foi excelente em ensinar aquilo que já esqueceu como praticar.

Marcos Paulo Candeloro é graduado em História (USP), pós-graduado em Ciências Políticas (Columbia University- EUA) e especialista em Gestão Pública Inovativa (UFSCAR).

Conteúdo editado por: Jocelaine Santos

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