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Imagem ilustrativa| Foto: Pixabay

As atuais produções culturais são consumidas irrefletidamente em detrimento dos grandes livros de literatura que moldaram a imaginação da civilização ocidental por séculos. A mania que hoje se tem pelo novo, pelo moderno, aliada à ânsia de estar sempre a par dos últimos filmes e seriados faz com que as obras que sobreviveram por séculos sejam lidas por poucos. Por que ler Shakespeare ou Dostoievski se posso assistir a filmes e séries na Netflix? Afinal, não é tudo uma questão de gosto? Se não existem critérios para uma coisa ser superior a outra, então é melhor consumir o que todo mundo consome.

O fato, entretanto, é que existe diferença entre o modo como se fazia cultura antigamente e o modo como ela é feita hoje. Ao comparar, por exemplo, o seriado Breaking Bad e o romance Crime e Castigo, algumas diferenças são bastante esclarecedoras. Os protagonistas de ambos infringem a lei, mas um dos casos aponta para uma esperança além das convicções de nossa vã filosofia.

No seriado Breaking Bad, um professor de Química do ensino médio resolve usar seus conhecimentos para produzir droga em laboratório e com isso ganha muito dinheiro à custa dos viciados. Na trajetória de crime que trilhou, Walter White foi levado a estragar a vida de muitas famílias e a matar muitas pessoas. O primeiro assassinato, porém, é revelador pela filosofia de vida que leva à mensagem principal. No referido episódio, ao lidar com o corpo daquele que matou, Walter lembra-se de uma aula que deu. Ele e a aluna diziam: “Vamos decompor o corpo humano?” Ele se lembra de como ele e a aluna fizeram a decomposição: “Hidrogênio 63%, oxigênio 26%, carbono 9%. Total: 98%”. Walter diz: O que está faltando? A aluna diz: “nitrogênio 1,25%, o que totaliza 99,25%, deixando você apenas com microelementos. Cálcio não é microelemento, tem no esqueleto inteiro. Cálcio é 0,25%. Ferro: 0,00004%. Sódio: 0,04%. Fósforo: 0,19%. Tudo dá 99,888042%. Falta: 0,111958%. Parece que está faltando algo, não parece? Tem de ter mais que isso em um ser humano. Não parece que esteja faltando nada”.  Aluna: “E a alma?” Walt: “A alma? Não existe nada além de química aqui”. Esta memória, logo após ter matado alguém, serve como um guia definitivo da vida de Walt daquele momento em diante. Não existe espaço para redenção ou arrependimento. É tudo química.

O fato, entretanto, é que existe diferença entre o modo como se fazia cultura antigamente e o modo como ela é feita hoje.

No romance Crime e Castigo o protagonista mata uma velha usurária para roubá-la e para fazer justiça com as próprias mãos. Segundo ele, ela não passaria de um piolho que vive de juros e que empobrece a todos. Ele, portanto, pensa ter feito um bem eliminando este piolho, este parasita que suga a sociedade. Para Raskolnikov (o personagem principal), “certos indivíduos teriam completo direito de cometerem toda a espécie de atos desonestos e de crimes, e para os quais a lei não existe”. Para ele, os homens se dividiam em ordinários e extraordinários. Os primeiros devem viver na obediência e não têm direito de infringir a lei; os segundos têm o direito de cometer qualquer tipo de crime. Ou seja, certos seres humanos especiais são verdadeiramente independentes para que não obedeçam a leis que se destinam a manter o povo sob cabresto e humilhado. Estes seres humanos especiais têm a liberdade e a inteligência de julgarem, independentemente do que diz a lei, se algo é justo ou injusto. Se o mundo é ruim, só prova que nossas leis e nossa moral são ruins. As injustiças só poderiam ser resolvidas pela destruição do sistema e pelas respostas de seres geniais. O homem extraordinário luta por um mundo melhor e está autorizado a matar aqueles que discordam dos meios dele para alcançá-lo.

No entanto, Raskolnikov não parecia ser um desses indivíduos especiais (na verdade, o escritor de certa forma afirma que ninguém é). Após matar a velha usurária, o protagonista é constantemente torturado por sua consciência até encontrar redenção ao se entregar às autoridades e, posteriormente, ao evangelho. Na história estão presentes conceitos que a modernidade nega: redenção, perdão, dever, compromisso, sacrifício. A mentalidade revolucionária que Dostoievski criticava tomou de assalto as mentes daqueles que produzem cultura. Hoje os filmes e séries estão repletos de “indivíduos especiais” que têm direito a cometer todos os crimes. É assim que surgem produções como Breaking Bad e La Casa de Papel.

Portanto, no nosso tempo os valores sobre os quais se fundou a nossa cultura são pouco propagados em filmes, seriados, novelas, peças de teatro, romances contemporâneos e exposições artísticas. Logo, o resultado é solapar as bases do nosso edifício civilizacional e dinamitar aquilo sobre o qual se apoia as nossas vidas. O fato é que os valores que formaram nossa cultura cristã (concorde-se ou não com eles) dão a orientação de ordem e liberdade de hoje.

E quem é cristão tem ainda mais razões para defender o resgate da nossa cultura e o retorno aos clássicos. Se tais valores forem destruídos, o que será colocado no lugar? Os horrores do nazismo e do comunismo mostram que não vale a pena arriscar. Voltemos a valorizar os clássicos da literatura e da filosofia, a Bíblia e os valores cristãos, muito do que é antigo e a velha forma de fazer cultura.

Kalebe Pimentel é estudante de filosofia e literatura.

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