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| Foto: Marcos Tavares/Thapcom

No dia 11 de fevereiro, o ministro João Otávio de Noronha, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), decidiu reverter uma liminar do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4) que havia suspendido o licenciamento concedido pelo Instituto Ambiental do Paraná (IAP) para a construção da Faixa de Infraestrutura paralela à PR-412, até o porto privado que ainda será construído em Pontal do Paraná.

Que município não gostaria de contar com uma rodovia de aproximadamente 24 km em pista dupla, com um canal de drenagem, rede de transmissão de energia elétrica, gasoduto, redes de água e esgoto e até mesmo uma ferrovia? Tudo isso distribuído em uma faixa de 175 metros de largura. Qual turista não ficaria satisfeito em ter uma alternativa de trânsito para uma rodovia saturada e sem condições de trafegabilidade em certas épocas do ano? Qual população não almeja todos esses benefícios, além do crescimento socioeconômico que todas essas obras prometem?

Há tempos o Litoral paranaense clama por desenvolvimento social e econômico. Há tempos sua população não vê melhorias em aspectos essenciais à qualidade de vida. Entretanto, os fins justificam os meios?

O que me angustia são as perguntas que só serão respondidas no futuro, caso a obra saia do papel

A complexidade por trás de um porto e as obras necessárias para que um terminal seja posto em funcionamento demandam exaustivos estudos e discussões. Deve-se investigar com cuidado todas as alternativas de projeto, além de se avaliar a necessidade de um terceiro porto em um Litoral cuja extensão é uma das menores do país. A modernização e expansão dos portos já existentes no estado não trariam mais benefícios e menos impactos que todos os discutidos nos estudos apresentados pela equipe projetista e os trazidos nas reuniões do Conselho de Desenvolvimento Territorial do Litoral Paranaense?

Há a necessidade de uma obra em duas etapas, como está realizada a proposta? As construções pedem movimentação de máquinas, pessoas, solo, limpeza de áreas para as estruturas e preparação de canteiros. Ou seja, monta-se um circo para fazer a primeira etapa, que compreende 20 quilômetros de estrada, cinco viadutos, quatro pontes e a ampliação de um canal de macrodrenagem. E, depois de sabe-se lá quanto tempo, monta-se o mesmo circo, ou possivelmente outro até maior, e realiza-se a segunda etapa.

O que me angustia são as perguntas que só serão respondidas no futuro, caso a obra saia do papel. Conhecemos o andamento das obras, da Justiça e das ações do governo para a população. O Estudo de Impacto Ambiental (EIA) da Faixa de Infraestrutura e seu Relatório de Impacto no Meio Ambiente (Rima) levantam dezenas de pontos positivos e negativos que a obra pode trazer para os pontalenses. Trazem também programas e projetos para minimizar e compensar os problemas que podem ser originados na região.

Leia também: Governar a serviço da população nem sempre é abrir estradas (artigo de Glavio Leal Paura, publicado em 8 de março de 2018)

Leia também: Uma “estrada da vida” pelo desenvolvimento de Pontal do Paraná (artigo de Eduardo Ratton, publicado em 3 de abril de 2018)

Preocupam-me os impactos esperados na qualidade do ar, do solo e principalmente nas águas subterrâneas e superficiais. O desaparecimento de animais pelo desmatamento, por atropelamentos, contaminados por possíveis derramamentos. Além disso, a supressão vegetal necessária à instalação da faixa pode restringir a área de habitat dos animais nativos, que podem vir a invadir áreas povoadas em busca de alimento e abrigo. A migração, mesmo que temporária, de alguns espécimes pode provocar surtos de doenças pelo desequilíbrio ambiental.

Fora o vai e vem de veículos, repletos de combustível, óleos dos mais variados tipos e partículas, como as de freio, que contêm metais pesados e podem se depositar no solo e na água próximos à faixa. Há de se considerar ainda que todo canal de drenagem escoa sedimentos, e todos têm como destino o mar. Pode haver deposição de sedimentos em ambientes costeiros adjacentes, alterando a paisagem em algumas praias.

Preocupa-me se Pontal do Paraná vai conseguir lidar com alguns problemas que podem se tornar maiores do que já são (se é que já existem na região), como o tráfico de drogas, a prostituição – até mesmo infantil, como já foi noticiado algumas vezes em Paranaguá –, a pressão imobiliária e por autorização para que torres e torres de contêineres ocupem áreas de preservação permanente ou de proteção ambiental. Será que a prefeitura do município, com ajuda do Plano Diretor e todas as leis que o instituem, na atual e nas futuras gestões, conseguirá controlar o uso e ocupação do solo além da faixa a ser construída?

Lembremo-nos da Ilha do Mel, onde em 30 de dezembro um trapiche “recém-reformado” na praia de Brasília cedeu e pôs em risco o embarque e desembarque de turistas no local. Lembremo-nos da explosão do navio Vicuña e os danos e prejuízos que trouxe à região. Lembremo-nos dos acessos a Guaraqueçaba, que tornam difícil a viagem de poucos quilômetros e que resultam em reclamações constantes dos seus moradores pelo abandono e falta de qualidade dos serviços básicos.

Leia também: Um compromisso pelo Paraná (editorial de 19 de agosto de 2018)

Leia também: Uma faixa de desenvolvimento (artigo de José Richa Filho, publicado em 9 de abril de 2018)

Os órgãos competentes nem sequer olham para o turismo da região, que poderia trazer mais desenvolvimento local com impactos possivelmente bem menores. E, se olham, e fazem melhorias, são quase que imperceptíveis para aqueles que residem e costumam frequentar os balneários locais. De que adianta investir em um novo empreendimento que diz “melhorar o acesso aos balneários” e “deve aumentar a procura de turistas por imóveis na região, esperando-se assim o aumento dos preços” (segundo o Relatório de Impacto ao Meio Ambiente), se a própria melhoria na infraestrutura existente avança a passos de tartaruga?

O desenvolvimento regional é a maior justificativa para construção da Faixa de Infraestrutura. Por que não investir em outras melhorias da região em prol do turismo? Espero, para o bem de todos, que, se a faixa for implantada, traga de fato a evolução de que o Litoral precisa e merece. Que haja serviços de manutenção constantes de todas as estruturas a serem construídas. E que o custo ambiental não seja alto demais.

Licenças são papéis. Inserem-se e retiram-se linhas com muita facilidade. Qualidade de vida não depende somente de papéis. Empresas com alto poder de impacto socioambiental têm papéis. As cifras brilham mais que a qualidade ambiental no Brasil. Tomadas as devidas proporções, lembremo-nos de Brumadinho.

Alessandro Bertolino é engenheiro ambiental, mestre em Gestão Urbana e professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná.
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