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Desde a Antiguidade, o corpo tem recebido diversas conotações. Muitos filósofos na Grécia Antiga o consideravam como o cárcere da alma, e nesse caso o corpo seria a tumba da mesma. Houve e há quem entende que devido ao pecado, a alma passa a exigir o corpo como necessidade para utilizar-se do mesmo.

Seria seu instrumento. É a queda da alma no corpo. Esse tipo de instrumentalidade aqui seria um demérito. No entanto, um dos mais ilustres filósofos dessa mesma Grécia – Aristóteles (384-322 a.C.) – apresentou um outro conceito de instrumentalidade: o corpo como sendo um instrumento natural da alma, que tem em si mesmo o princípio do movimento. Ainda entre os gregos antigos, houve uma época em que se cultivava o corpo e sua beleza. Na modernidade, o filósofo alemão Nietzsche (1844–1900) afirmou que aquele que está acordado e consciente diz: "Sou todo corpo e nada fora dele". E assim poderíamos discorrer muito sobre o corpo na história da filosofia.

Interessa, porém, chamar a atenção para um grave problema que está ocorrendo na atualidade no âmbito do mundo da indústria da moda e, em particular, das modelos. Não há como negar que hoje o corpo da mulher é produto de mercado. É lamentável dizer isto, mas é uma realidade. Há uma ditadura da perfeição física, do corpo perfeito, se é que objetivamente isto existe. A comercialização do vestuário exige medidas muitas vezes drásticas, mesmo que seja em detrimento da saúde e do bem-estar físico. Uma vez que esse mundo (o da moda pode remunerar bem e dar status e até projeção internacional, algumas modelos fazem o impossível: deixar de se alimentar, privar-se do equilíbrio corpo-mente, aniquilar-se enquanto corpo. Hoje há no mundo 30 milhões de anorexas. No caso particular das modelos, isto é fruto da ditadura das medidas. Há cerca de 20 anos, as modelos eram 8% mais magras que a média das pessoas normais; hoje está na faixa dos 25%. Foi um avanço? Não acredito. Fizeram bem recentemente os dirigentes de um desfile de modas em Madri ao proibirem algumas modelos de desfilar por serem, segundo eles, muito magras. Se esse ato foi honesto ou não, não vem ao caso, porém é um alerta. É necessário rever essa imposição da medida perfeita para desfilar e para se apresentar ao mundo, uma vez que a grande maioria das pessoas não veste essa perfeição. É necessário que haja mais realismo por parte de quem "dita" essa moda. É algo que está encaminhando grande parte da população feminina para a ansiedade, para odiar-se e, em seguida, para a depressão e outras conseqüências desumanas. De modo algum, estou querendo dizer que não se deva apreciar o belo. Devemos, sim, porém dentro de parâmetros racionais que não comprometam o ser humano e sua vida.

É melancólico constatar que as pessoas são objeto de negócio. Basta um certo poder econômico para conduzir a sociedade a um mundo de falsidades. É aqui que reina o perigo do exagero da vaidade humana. Como todas as paixões humanas, esta também precisa de limite. Daí a necessidade de limites para o mercado; não de censura, mas limites entre o efêmero e o duradouro, entre a aparência e a essência, entre o benéfico e o danoso. Me parece que esse limite é visto hoje como algo absurdo pelos poderosos economicamente porque, segundo muitos, é necessário lucrar sem escrúpulos. A distância entre o sublime e o ridículo é de apenas um passo, e esta é magnitude da distância entre o conveniente e o inconveniente para uma sociedade. Há desfiles de moda que são verdadeira exposição de ossos; modelos que com aspecto de inanição e não são em absoluto exemplo de saúde. Não é um bom exemplo para a grande maioria porque é inatingível para essa maioria. Qual seria a exigência para o corpo de uma modelo? Saúde, em primeiro lugar. Que se tome cuidado com a ilusão do corpo tecnológico!

Finalmente, que se tome cuidado com a anorexia por que mata, mesmo. É só lembrar da trágica morte da modelo Ana Carolina por infecção generalizada porque seu corpo não tinha mais imunidade alguma. É insensato que o corpo de um ser humano chegue ao fim por completa autofagia, seja qual for o motivo. É um tipo de morte que atenta contra a dignidade humana. Este milênio iniciou-se atribuindo extrema relevância às medidas corporais. Que prevaleça, então, o bom senso para conviver com o corpo! Que prevaleça o ser antes do ter! Que prevaleça a ética do ser humano consigo mesmo.

Jamil Ibrahim Iskandar é pós-doutor em Filosofia e professor titular de Filosofia na PUCPR.

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