Há décadas, George Soros é um dos ho­­mens mais ricos do mundo. Uma vez o ouvi dizer que trocaria sua fortuna pelo privilégio de ser considerado um grande filósofo. Ao longo de sua vida, ele oscilou entre a reflexão de filósofo e a especulação financeira, tendo mais sucesso na segunda, mas sem desistir da primeira. Esta semana tive o privilégio de participar como convidado e debatedor de suas palestras, como filósofo, na Universidade do Leste Europeu, em Budapeste, na Hungria.

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Soros começou explicando seu conceito de "reflexividade", pelo qual, ao interferir no mundo, a economia e a política são incapazes de captar a realidade do mundo como ele é. Ao desmistificar a certeza dos economistas, Soros dá uma contribuição, na filosofia do método, mas não filosofou sobre o conceito de riqueza. Mais ainda do que as limitações metodológicas, a economia precisa de mais filosofia para en­­tender o seu objeto – a riqueza em si –, e não apenas o método de como fazê-la crescer.

Se um filósofo grego clássico caminhasse pelas ruas de Nova Iorque, não veria ali qualquer sintoma de riqueza. Para ele, a riqueza estava associada à disponibilidade de tempo livre e o seu uso para o exercício da cultura. Se um cidadão da Idade Média fizesse o mesmo percurso em Nova Iorque, ele também não veria riqueza, salvo na primeira igreja em que entrasse, mesmo assim a acharia pobre.

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O atual conceito de riqueza é pobre. Não resiste a uma análise filosófica, que tente entender o seu significado: o que é a riqueza em si. É certo que o grego e o medieval ficariam fascinados pelo avanço da medicina, sem dúvida alguma um conceito íntimo de riqueza, mas não com os automóveis que roubam o mais precioso de todos os recursos: o tempo de vida de uma pessoa.

Mesmo ao se deslumbrar com a riqueza do avanço na esperança de vida e na redução do sofrimento, uma pessoa da antiguidade ficaria indignada com o privilégio que faz com que algumas pessoas vivam mais e com menos do­­­res do que outras, porque dispõem de dinheiro para comprar vida e saúde. Do ponto de vista moral, a riqueza atual não resistiria a uma análise filosófica. Pena que os economistas não aceitem com tranquilidade a ideia de incerteza, e, ao não tentar entender o que é riqueza, apenas aceitam o seu conceito atual.

Se tentassem, perceberiam que o melhor indicador de riqueza ainda é o grau de educação de cada pessoa e do conjunto das pessoas em cada sociedade. Primeiro, porque a educação é geradora da riqueza material que caracteriza o imperfeito sistema econômico dos últimos duzentos anos; segundo, porque é o instrumento de ascensão do patrimônio material de cada pessoa; terceiro porque é o único elemento capaz de distribuir bem a riqueza, qualquer que seja seu conceito.

Do ponto de vista filosófico, a pessoa educada é rica por ter acumulado o "bem" conhecimento e, através dele, ter acesso aos outros bens e serviços. Finalmente, o conhecimento é a principal riqueza do futuro, porque é o patrimônio que não fere a natureza, outro bem que os economistas ainda não aprenderam a valorizar, pelo pavor que têm à filosofia.

Tudo isso mostra uma grande ironia da pobreza da economia, ainda mais quando se descobre que um dos homens de mais sucesso no século 20 na construção de riqueza, usando a economia, deseja sobretudo ser filósofo. Para um economista, isso é uma contradição; para um filósofo, isso é óbvio, porque ser filósofo é ser rico, mesmo que sem dinheiro.

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Cristovam Buarque é senador (PDT/DF) e professor da UnB