São Tomás de Aquino ladeado por Platão e Aristóteles.| Foto: Benozzo Gozzoli/Domínio Público
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Gostaria de resgatar uma ideia central para a filosofia e para a psicologia moral: a ideia de finalidade da vida humana. Por quê? Porque é a finalidade que dá sentido à vida humana e a vida conforme ela é que torna boa todas as ações humanas.

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Em filosofia nós aprendemos que do ponto de vista ontológico, as coisas só podem ser boas na medida em que alcançam sua finalidade. Todavia, a ideia que eu pretendo salientar aqui é a de que do ponto de vista moral e psicológico, o homem só pode ser feliz e bom na mesma medida em que busca o sentido de sua vida vivendo conforme sua finalidade. Sempre que alguém se propõe a atacar o ocidente e a ciência clássica, de alguma maneira, tenta destruir essa ideia fundamental, esse princípio. Contudo, algo mais sério ainda se dá quando escolas de filosofia moral negam ou erram ao ensinar sobre o verdadeiro sentido da vida humana.

O fim último verdadeiro, segundo Santo Tomás, consiste simpliciter (absolutamente) na visão da divina essência.

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Entre os grandes filósofos, a ideia é apresentada pela primeira vez por Platão, ao falar da ideia de bem como o fim que explica e dá sentido para todas as formas. Avançando um pouco mais na história, a boa filosofia aristotélico-tomista nos ensina que cada substância recebe o seu sentido da sua causa final.

E o que é a causa final? Antes de responder essa questão, é preciso lembrar que o conceito causa, de modo geral, significa aquilo do que depende um ente para ser ou para vir a ser. Segundo Aristóteles, existem quatro causas: causa formal, material, eficiente e final. Dentre elas, a causa final significa aquilo para o qual o ente é feito. Sem ela o ente não seria, pois, alguém só faz algo se sabe bem para que faz. Por essa razão, segundo o padre Álvaro Calderón, os escolásticos chamavam a causa final de “causa das causas”.

Essa ideia mestra norteia tanto as ciências especulativas, que nos permitem entender o que são as coisas e para que são, quanto a moral, pois para agirmos precisamos conhecer o porquê de nós e as coisas existirem. Toda a vida humana se estrutura a partir do fim que damos para ela. Cabe aqui perguntarmos qual a finalidade da vida humana. Respondo de imediato: a felicidade. Mas devemos também nos perguntar o que é a felicidade.

Imagine que ao passar por uma praça e avistar um objeto, você percebe que não sabe para o que ele é feito. Certamente terá dificuldades de se relacionar de maneira boa, ordenada e justa com esse objeto. E no que tange ao fim último e sentido da vida humana, não será assim também? Um dos principais problemas que atormenta o homem moderno é a falta de sentido para viver. O homem não sabe mais o que lhe faz feliz.

E isso acontece por duas razões. A primeira por não conhecer mais qual é o verdadeiro sentido da vida humana; o segundo é não querer aquilo que dá verdadeiramente sentido à existência humana. Não se conhece ou se ignora o verdadeiro sentido da vida humana, colocando assim, no lugar deste, o que os filósofos e psicólogos chamam de “falsos fins”, “fins aparentes” ou “fins fictícios”. Damos exemplos: o pensamento de que o homem pode “projetar um sentido para a sua existência”, as honras, as glórias, a fama, a riqueza, o poder, o prazer e o dinheiro. Nada disso pode verdadeiramente dar sentido à vida humana. A sã filosofia e a Sagrada Teologia são unívocas nesse ponto.

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Boécio, por meio da sua obra De Consolatione Philosophiae, do ponto de vista filosófico, ensina que o homem não pode ser feliz nesta vida, porque procura para ser feliz, como fim último, a “posse permanente e constante de um sumo bem”. Para chegar a essa conclusão, Boécio faz uma análise da estrutura psicológica e moral dos atos humanos. Olha para a vontade, percebe que ela busca um bem perfeito para ser saciada. Observa os homens e a si mesmo e vê que agem buscando esse bem como seu fim último. Duvido que alguém conheça uma pessoa que não aja para alcançar a própria felicidade.

Nada mais em harmonia com a Revelação. Nosso Senhor Jesus Cristo, no sermão das bem-aventuranças, nos dá conselhos que apontam para essa mesma realidade. É como se Ele nos estivesse dizendo: buscai viver como pobres em espírito, como os que choram, como os mansos, os puros, os justos, os que buscam misericórdia e são pacíficos, etc. para encontrar a felicidade, mas a felicidade “onde a traça nem a ferrugem consomem, e onde os ladrões não perfuram as paredes nem roubam” (Mt, 6: 19-20), para encontrar a grande recompensa. Que recompensa? A felicidade. O sentido da vida. Não neste mundo, mas onde não “há choro e ranger de dentes” (Mt, 13: 42).

O grande teólogo da moral católica, Santo Afonso Maria Ligório, também instruía as almas piedosas dizendo que o sentido da vida humana não pode estar nesta mesma vida, pois, se isso fosse verdade, com a morte qualquer sentido que pudéssemos dar para a vida desapareceria e a vida novamente cairia no absurdo e na frustração: “Os mundanos consideram afortunados aqueles que gozam dos bens deste mundo: honras, prazeres, riquezas. Mas, a morte porá fim a todas essas venturas da terra […] a morte, enfim, despoja o homem de todos os bens deste mundo”.

Fé e razão se harmonizam: a causa final do homem, em sua plenitude, não pode estar nesse mundo. Ambos conhecimentos nos ensinam isso. Como pode, então, ouvirmos por aí que fé e razão são contrárias? Acabamos de ver, por meio da reflexão psicológica e moral, que isso não é verdade. É um mito moderno.

Devemos ter em mente que os trabalhos, profissões, estudos, missões, vocações e as escolhas que fazemos nesta vida, por mais nobres que sejam, não são o sentido absoluto da vida humana, a causa final, o fim último, mas meio ou fins intermediários. O fim último verdadeiro, segundo Santo Tomás, consiste simpliciter (absolutamente) na visão da divina essência. Ali sim seremos completos, felizes, beatos. É para isso que devemos viver, e aos demais devemos olhar como meios para esse nobre fim, esperando de Deus e de Maria Santíssima sempre os auxílios para O alcançarmos na hora de nossa morte.

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Willian Kalinowski, graduado, mestre e doutorando em Filosofia, é professor, membro pesquisador da Sociedade Brasileira para o Estudo da Filosofia Medieval; membro do Conselho Científico do Instituto De anima. É autor do livro “O intelecto e as virtudes intelectuais em Santo Tomás de Aquino”.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]