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Os Rolling Stones são de esquerda e o U2 é de direita ou vice-versa? O narcotráfico da Rocinha está na área de influência das Farc ou dos paramilitares colombianos? É de esquerda a MP que isenta de impostos os investimentos estrangeiros em títulos da dívida pública? E o jeitinho brasileiro que deu a vitória a René Préval no Haiti é conservador ou progressista? Ao acumular a presidência da Bolívia com a presidência do sindicato dos cocaleros, como se caracteriza Evo Morales?

O carnaval ideológico antecipou-se à folia propriamente dita graças a uma brincadeira jornalística. Nem todos os textos divulgados pela imprensa merecem ser comentados e os que merecem discussão não são necessariamente os melhores. Caso do editorial "Jornalismo Irresponsável" publicado pelo "Estado de S.Paulo" (terça, 7/2) culpando exclusivamente a imprensa européia pela onda de violência no mundo islâmico.

Caso também da espalhafatosa reportagem publicada na última quarta pela "Folha de S.Paulo", que identifica com visível prazer um surto direitista decorrente da crise do PT.

Tudo indica que num ano eleitoral será complicado erradicar os estereótipos e as simplificações ideológicas. Mas justamente porque estamos sendo atropelados pelo prematuro e intenso debate sucessório conviria um esforço para evitar o nefasto reducionismo político e o impiedoso patrulhamento ideológico que tantos malefícios já nos causaram.

Nem a direita está ficando bacana nem estamos assistindo à goleada esquerdista na América Latina. A não ser que se considere assemelhados o estouvado caudilhismo de Hugo Chávez e a eficiente social-democracia chilena da recém-eleita Michelle Bachelet.

Convém lembrar que Mussolini conseguiu apresentar-se como socialista ao longo de grande parte da sua trajetória política e que o corporativismo fascista deixou profundas marcas em nosso sindicalismo que se pretende "de esquerda". As embalagens nesta era do marketing não são provas de autenticidade. Convém testar o seu o conteúdo.

Principalmente quando se trata de etiquetar intelectuais. O Nobel de literatura Thomas Mann foi um dos primeiros escritores alemães a repudiar o nazismo. Deve-se, por isso, classificá-lo como esquerdista? Pensamento é matéria viva, dinâmica, impossível aprisioná-la em escaninhos lacrados. As circunstâncias e valores políticos são mutantes, às vezes voláteis. O que interessa são as noções permanentes de justiça e decência.

Assim como o iluminista Voltaire não pode ser enquadrado como modelo pessoal de tolerância, Nietzche (para muitos o inspirador do super-homem hitlerista), combateu ferozmente Richard Wagner, tido como precursor musical do nacional-socialismo.

No estágio político em que nos encontramos o único radicalismo que interessa é a defesa do estado de direito. O único fantasma verdadeiramente assustador é o do descaso pela democracia. O resto é embromação, firula. A crise revelada em 2005 e até hoje insuficientemente avaliada não é apenas de caráter moral. É um ultraje ao sistema representativo. O caixa 2 não é um ilícito limitado à esfera eleitoral é uma agressão aos fundamentos da república isonômica, eqüitativa e justa. Crime de lesa-pátria.

Um empertigado conservador pode ser mais progressista do que o líder de algum movimento social desde que consiga levar seu respeito ao homem às últimas conseqüências. O corolário também é verdadeiro: um magistrado – ou governador – que se proclama marxista e defende o nepotismo, é um reacionário emblemático, tirano perene. Filósofos de direita ou de esquerda, são filósofos pela metade, porque abdicam do dever de questionar-se incessantemente. Ficaram no meio do caminho.

A discussão sobre as charges blasfemas publicadas na Dinamarca é o exemplo de uma politização arrevesada onde a pretexto de preservar a espiritualidade individual estimula-se a insanidade coletiva. Quem é direita, quem é esquerda neste episódio? Afinal, Bush condenou a sua publicação.

Não convém que a imprensa convoque a direita brasileira a sair do armário, nem que empurre a esquerda para debaixo da mesa. Um pouco menos de imposturas ideológicas seria mais útil e menos deletério.

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