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| Foto: Robson Vilalba/Thapcom

A discussão em torno da Resolução Normativa 433/2018 da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) tratou, entre outros temas, da participação do usuário do plano ou seguro privado de saúde no pagamento pelo uso do serviço médico e hospitalar. A presidente do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia, decidiu liminarmente pela suspensão dos efeitos dessa resolução, fundamentada pelo entendimento de ferimento do direito fundamental à saúde, pois o ato administrativo regulatório traria possível prejuízo aos consumidores, já que a situação de coparticipação e franquia não tem justificativa estabelecida em lei e, com isso, há problema de vício de origem. Ou seja, a ANS não teria delegação legalmente estipulada para dispor sobre essa forma de contratação.

O direito fundamental à saúde é disciplinado na Constituição Federal como um direito de prestação estatal, que demanda condutas ativas do Estado na promoção, prevenção e proteção da saúde de maneira eficaz aos cidadãos brasileiros e àqueles em solo nacional. É possível que o Estado preste esses serviços por meio de contratos ou convênios com pessoas pertencentes à iniciativa privada, a chamada “rede complementar”. Os artigos 6.º, 196 e 197 da Constituição Federal têm atenção voltada a este aspecto, por sua estrutura própria ou por aquela que busca na iniciativa privada.

Além disso, o artigo 197 da Constituição também trata da previsão de regulamentação, fiscalização e controle das atividades de saúde, o que acompanha outra disposição constitucional semelhante, a do artigo 174, que prevê que o Estado exercerá, “na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento”, reprimindo sempre o abuso do poder econômico, eliminação da concorrência e aumento arbitrário dos lucros, em conjugação com o § 4.º do artigo 173 da Constituição.

Não é despropositado trazer esses trechos da Carta Magna, inseridos no contexto da proteção da ordem econômica e financeira, pois o constituinte entendeu por bem dar liberdade à iniciativa privada de exploração da saúde, pelo artigo 199, que muito claramente dispõe que “a assistência à saúde é livre à iniciativa privada”.

O direito fundamental à saúde é disciplinado na Constituição Federal como um direito de prestação estatal

Este é o contexto constitucional em que a Resolução ANS 433/2018 deve ser inserida, no âmbito privado, da saúde suplementar, com cobertura de custeio assistencial de capital privado, mas devidamente fiscalizado, regulado, normatizado e controlado pelo Estado, pelas mais variadas formas – Anvisa, ANS, Ministério da Saúde e Ministério Público, dentre outros agentes.

Se a Constituição Federal deixou livre a exploração da saúde, frisa-se novamente que, com severas limitações e fiscalizações bastante contundentes, o fez como proteção de quem está no mercado, principalmente o consumidor, pelos princípios da propriedade privada (também um direito fundamental), da livre concorrência e da defesa do consumidor, o que nos parece ter sido a intenção da ANS quando .+editou a resolução.

Não é novidade, no mercado de cobertura de custeio assistencial, que as entidades mantêm contratos em que há a participação do usuário no pagamento dos serviços. As chamadas franquias e coparticipações já são praticadas no livre mercado, sem que exista regulação própria específica trazida pelo Estado para este fim que possibilite a segurança do consumidor em não chegar ao ponto de gastar duas ou três vezes o preço. Até então, essas ações teriam de ser coibidas por ações judiciais, que poderiam ter resultados dos mais diversos, até porque qual seria o parâmetro para considerar que houve abuso? O dobro, o triplo, ou metade da prestação mensal?

Isso demanda regulação de mercado, que é livre, cujas limitações para o exercício somente ocorre por meio do poder público. A ANS tem o poder-dever de regular esse mercado, estabelecendo aspectos dos contratos e normas para a utilização dos produtos das operadoras e seguradoras de saúde, avaliando-os e tomando medidas que estimulem a concorrência, com o intuito de disseminar o acesso a esses serviços pela população brasileira. É o que se quer com a estimulação da concorrência em qualquer mercado.

Leia também: Plano de saúde ou plano de doença? (artigo de Cadri Massuda, publicado em 13 de junho de 2018)

Leia também: Saúde brasileira: menos leitos, menos esperança (artigo de Sandra Franco, publicado em 18 de abril de 2018)

Contar com a competência do Poder Legislativo para a regulação do mercado suplementar de saúde, que tem imensa complexidade, é dizer ao usuário que as contratações com coparticipações e franquias serão analisadas pelo Congresso Nacional e o estudo será aprofundado rapidamente e de modo eficaz, com o resultado de votação no Senado e na Câmara dos Deputados.

Atualmente, essa é uma situação que acaba com a esperança do cidadão de ter previsibilidade nas contratações e, por outro lado, também afeta quem empenha recursos para trabalhar neste mercado e busca aprimorar o atendimento, sem falir, e com expectativas de resultados. Até mesmo seria difícil perceber que cerca de 250 procedimentos estariam fora da possibilidade de estipulação de franquia ou coparticipação, que haveria limitação do valor da mensalidade e no ano da soma dos 12 meses, isso tudo em mercado que já tinha esta prática e que não prevê muitas destas exclusões.

Boa ou má, a Resolução ANS 433/2018 foi elaborada e implementada por quem detém delegação legal e buscou, de algum modo, trazer previsibilidade, segurança e perenidade ao mercado suplementar. Em 4 de setembro, assistiremos todos às discussões na próxima audiência pública sobre o tema. Espera-se, com muita esperança, que se chegue à melhor opção para os mecanismos financeiros de regulação – o que só o tempo mostrará.

Phillipe Fabrício de Mello é advogado, professor e especialista em Direito de Empresa. Bruno Milano Centa, advogado, é mestre em Direito e professor da Pós-Graduação em Direito e Processo do Trabalho da Universidade Positivo (UP).
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