No clássico romance Il Gattopardo (O Leopardo), Lampedusa descreve a visita de Tancredi, um jovem aristocrata, a seu tio, Don Fabrizio, o Príncipe da Casa Salina durante o confronto que levou à unificação da Itália e que colocou frente a frente a velha nobreza e os que queriam substituí-la. Quando Tancredi lhe revela que ele próprio já estava integrado ao movimento revoltoso e que iria, em breve, encontrar-se com Garibaldi, Don Fabrizio fica alarmado com a insensatez do sobrinho, mas este pondera sabiamente: "Se quisermos que as coisas continuem como estão, tudo tem de mudar!"
A presidente Dilma Rousseff e os seus aliados petistas, peemedebistas, oportunistas e outros "istas" estão tentando rescrever a fala de Tancredi adaptando-a ao Brasil de hoje: "Se quisermos que as coisas permaneçam como estão, é necessário fingir que tudo está mudando!" Pois só isso explica a enorme desfaçatez que está sendo encenada sob nossas vistas para parecer que o rugido das ruas foi ouvido e entendido pelos governantes e seus aliados.
Às pressas, depois de um aturdimento completo nos primeiros dias das manifestações, as "mudanças" começam em ritmo frenético: reajustes contratuais são adiados para parecer que a população foi ouvida, quando se sabe que pela própria natureza contratual desses aumentos mais hora ou menos hora eles serão pagos até o último centavo; um Congresso desmoralizado e desfibrado, intimidado pelas manifestações, vota em horas o que não havia votado em anos para parecer que finalmente a mensagem dos representados chegou aos representantes políticos; alguns absurdos legalistas são abortados, como a situação insólita de condenado à prisão que durante quatro anos exercia tranquilamente o mandato de deputado federal sem ser importunado.
Mas o fundamental continua o mesmo. A presidente, que nunca foi dada a articulações políticas, transformou-se subitamente na grande negociadora, chamando para o diálogo os políticos, os outros governantes, os movimentos sociais... Mas trata-se de diálogo curioso em que ela alardeia pactos sem tê-los discutido antes com os outros envolvidos, especialmente os que se opõem a ela e às políticas de seu partido; escorrega e anuncia uma Assembleia Constituinte para, em seguida, voltar atrás quando seus conselheiros (aliás, quem são eles e onde se escondem neste momento?) alertaram para o risco que o PT e seus aliados estariam correndo se realmente a população fosse chamada a modernizar nosso quadro institucional livremente, e não apenas seguir o script longamente acalentado por eles e que já foi repudiado no passado, como essa ridícula reforma eleitoral, com a introdução do voto de lista e do financiamento público das campanhas.
Em suas "articulações", preferiu esquecer tudo aquilo que realmente levou milhões de pessoas às ruas: a desmoralização da base aliada, composta pelo que há de mais anacrônico e vicioso na política brasileira; a esbórnia de gastos públicos; os 39 ministérios; a escalada dos cargos comissionados para abrigar os companheiros e aliados; e o desarranjo da política econômica, que não consegue promover o crescimento e ainda traz de volta o fantasma da inflação; a inacreditável transformação do BNDES em uma cornucópia de recursos públicos para apoiar empresários "amigos da casa" a ampliar seus negócios absorvendo os concorrentes; a solução para a crise da "mobilidade urbana" que pariu o rato habitual de mais um conselho federal, e de vários estaduais e municipais "com a participação dos cidadãos"; e a tragédia da educação e da saúde pública, transformada em mero pretexto para abrir a medicina brasileira a profissionais cuja qualificação não foi certificada e à destinação, no futuro remoto, de mais recursos para a educação.
E, assim, nossa Tancredi brasileira e seus aliados pretendem que a população se convença de que algo está mudando, quando está ficando exatamente no mesmo.
Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do doutorado em Administração da PUCPR.
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