Palestra do jornalista Gilberto Dimenstein sobre o projeto Catraca Livre, em Londrina. (07/05/2014 )| Foto: Arquivo/Gazeta do Povo
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O Brasil tem bons e corajosos jornalistas, escritores premiados,  dedicados às causas da infância, do adolescente e da educação. Temos pessoas generosas que dedicam a vida a serviço da comunidade. Raríssimas reúnem todas essas qualidades com dedicação, espírito público e a competência de Gilberto Dimenstein, que perdemos na última semana.

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Gilberto deixa o exemplo de força para enfrentar as dificuldades da doença terminal, e viveu seus últimos dias com convicção do sentido de sua vida, lembrando o que deixou para seu país e para inúmeras pessoas. Ele foi um jornalista, mestre para milhares de colegas, com aulas e palestras, mas sobretudo com exemplo de seriedade e competência no exercício da profissão. Seus textos, carregados de lucidez e força, todos têm coerência com um humanismo libertário, progressista socialmente e nos costumes.

Nunca aceitou submeter-se aos interesses de corporações, nem ao patrulhamento de intelectuais. Pensava e se manifestava com altivez e independência. Comprometido com princípios morais, sem amarras sectárias ou partidárias. Foi militante por valores morais, não por alianças políticas.

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Escolheu a bandeira da infância abandonada, sofrida e explorada. Foi um dos primeiros a denunciar, com firmeza e coragem, a exploração sexual e do trabalho de menores. Lutou por uma educação nova, com escolas de qualidade pedagógica, intelectual e moral que o mundo de hoje requer.

Com sua Organização não Governamental Catraca Livre, promoveu cursos, criou empregos, organizou militantes pelos direitos da infância. Sonhava e agia na busca de fazermos um país onde nenhuma criança seja maltratada, ou deixada para trás, e onde o potencial de cada uma delas seja aproveitado plenamente.

Além de seu exemplo e seu legado, Gilberto Dimenstein deixa fortes lembranças de amizade e gratidão a muitos amigos e admiradores. Sou um desses. Tenho uma dívida por sua amizade e por suas inspirações. Costumávamos dizer que a Bolsa Escola nasceu na UnB e na casa dele, nas nossas conversas e polêmicas. Foi dele, especialmente, a ideia de que a bolsa deveria ser paga à mãe, não ao pai. Projetos aos quais me dediquei foram criados ou desenvolvidos graças a ele. Devo a ele também a divulgação dos projetos e ideias no Brasil e no exterior.

Em uma conversa na semana anterior à sua morte, já demonstrando cansaço no outro lado do telefone, eu falei de seu bom humor tão vivo, e ele disse: “Se você encontrar um judeu sem senso de humor, ele já está morto ou ainda não foi circuncisado”.

Foi um privilégio ter repartido com ele aquele tempo de amizade há mais de 30 anos e tão presente até hoje. Em certas pessoas muito especiais, a morte vem como um gesto de continuidade, de ressurreição em outros que se orgulham de terem sido seus amigos, admiradores e seguidores. Ele continua em nós, no que ele fez por nós. As sementes que ele plantou darão fruto entre os milhares de seus leitores e seus estagiários.

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Obrigado Gilberto, pelo que você fez pelo Brasil e pelos amigos.

Cristovam Buarque é professor emérito da Universidade de Brasília.