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Reduzir uma taxa de pobreza de 28% para 25% é muito mais rápido que reduzir de 7% para 4%. No primeiro caso o problema é tão grande que qualquer ação já traz um resultado rápido para uma parcela da população

Recente Comunicado da Presidência realizado e divulgado pelo IPEA revela que, se o desempenho de diminuição da pobreza registrado entre 2003 e 2008 se mantiver até 2016, o Brasil praticamente superaria o problema da pobreza extrema, algo próximo a 4%. Porém, devemos ter consciência dos vários pontos que tornam a perspectiva de vitória desta guerra mais remota do que parece. Vamos nos concentrar em apenas dois pontos: 1) motivos dessa diminuição da pobreza entre 2003 e 2008; 2) cuidado com uso de indicadores e projeções.

Sobre os motivos que justificam a diminuição da pobreza, o comunicado da Presidência relaciona diversas políticas públicas e em diferentes áreas, como saúde, educação, emprego, desenvolvimento agrário, previdência social e assistência social. Em sua maioria, tais políticas são transferências de renda do Estado para uma parcela da população, sem contrapartida, o que configura uma ação de assistência. Sendo ela para a população em condição de pobreza, há um impacto direto na redução dessa taxa, mas condiciona a melhoria de condição de vida à manutenção desses benefícios. O principal programa é o Bolsa Família, que atendeu 11,6 milhões de pessoas, mas cabe também destacar a mudança do regime previdenciário que incluiu mais 7,8 milhões de pessoas na área rural e 15,2 milhões na área urbana. Além disso, as ações de emprego estão relacionadas à extensão do seguro-desemprego e do abono do PIS-Pasep que beneficiaram, respectivamente, 6,9 e 8,4 milhões de pessoas respectivamente. Todos esses dados são de 2008, excetuando o último que é de 2007, e foram divulgados no próprio relatório, mostrando a base da intervenção do Estado sustentada na transferência de renda.

Para manter a erradicação da pobreza e conseguir manter essas taxas, ações continuadas e crescentes de transferência de renda deveriam ser feitas, nesta linha de política, mas há duas limitações importantes: primeiro, a capacidade do Estado de manter políticas assistencialistas no longo prazo, tendo um dos maiores endividamentos da sua história. Além disso, sem se endividar o governo teria duas possibilidades: aumentar receita ou remanejar/reduzir gastos. O primeiro é difícil porque o porcentual de tributação no Brasil já é elevado (quase 37% do PIB) e haveria dificuldade, política e institucional, para ampliar os limites de arrecadação, a não ser que o país entrasse em um ciclo de crescimento contínuo e sustentado e aumentasse a receita monetária, o que também não parece provável. Remanejar ou reduzir a despesa é cada vez mais complicado porque ações como a inclusão de mais beneficiários na previdência ou aumento da contratação de mais funcionários públicos cada vez compromete mais os recursos públicos com gasto de pessoal e limita para outras funções, como a própria ação assistencialista. Com isso, crescer, ou mesmo manter, esse ritmo e essa política de assistencialismo será algo cada vez mais improvável e difícil com a situação financeira do governo, independentemente de quem seja o novo presidente.

Com relação ao segundo ponto, devemos ter cuidado com uso de indicadores para previsões. Estimar que uma taxa se mantém é extremamente fácil no papel, mas a realidade não é tão simples. Por vários motivos: um deles é que reduzir uma taxa de pobreza de 28% para 25% é muito mais rápido que reduzir de 7% para 4%. No primeiro caso o problema é tão grande que qualquer ação já traz um resultado rápido para uma parcela da população. No segundo caso, o problema é mais complexo e deve ter ações integradas para conseguir resolver os problemas, por isso que se considera como natural uma taxa de 4% da população em pobreza absoluta como um problema erradicado, como cita o relatório mencionando os padrões mundiais. Para essa população isso não é natural, mas a efetividade da ação do Estado é menor. Assim, quanto mais avançamos para resolver o problema, mais a dificuldade para que a solução seja encontrada. Manter o ritmo de ações atuais não garante que a mesma quantidade de pessoas será beneficiada.

Programas assistencialistas são importantes em determinadas situações, como o foram, mas não resolvem o problema no longo prazo. O Brasil pode ter vencido uma batalha, mas a guerra, infelizmente, ainda está longe do fim. Para isso precisa-se de uma estratégia de "guerrilha" mais consistente que a atual. Estamos nos vangloriando de uma inclusão altamente dependente de um apoio financeiro continuado para essas famílias, o que não garante a condição de vida das mesmas amanhã. Precisamos pensar e planejar mais a longo prazo e, para isso, há necessidade de pensar nesta população sem a dependência do Estado. Se conseguirmos traçar essa estratégia, estaremos, aí sim, dando um grande passo para vencer a guerra e erradicar a pobreza no Brasil.

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Christian Luiz da Silva, pós-doutor em administração e economista, é professor do doutorado em Tecnologia da UTFPR (Universidade Tecnológica do Paraná).

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