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A sociedade brasileira aboliu a premência. Por unanimidade. Em primeira discussão. Os corruptos sabem disso. O crime organizado sabe disso. O analfabetismo sabe disso, a estultice sabe disso

Era uma de nossas marcas registradas: o ano novo ficava em suspenso ao longo de janeiro e às vezes pendurava-se até março. Nosso efetivo réveillon acontecia no fim do carnaval, a Quarta-Feira de Cinzas era o nosso verdadeiro despertar.

Não é mais: novas modalidades momescas esticam a folia, misturam-se com a Quaresma e neste ano em façanha memorável chegaram até a atrasar o fim do horário de verão. Nenhum corregedor legislativo se incomodou com os plenários vazios nesta quarta. Até mesmo nossos fogosos capitalistas resignam-se ao fraquíssimo desempenho industrial nestes dois terços do primeiro trimestre. Acreditam que no segundo os índices serão melhores.

E se não forem, Deus é brasileiro e dará um jeitinho. Quem parece preocupado é o taiwanês Terry Gou, o bilionário fornecedor de tablets para a Apple que aqui investiu alguns bilhões e, por isso, sente-se à vontade para afirmar que o "brasileiro não trabalha tanto, pois acha que está no paraíso". O maior exportador chinês comanda um império de 800 mil empregados, aparentemente não tem diploma de curso superior, muito menos em ciências sociais, mas em matéria antropológica a sua observação é rigorosamente correta.

O mañana hispano-americano é ritual, o nosso é fomentado por um determinismo imponderável que desconecta a sensação da riqueza inevitável do efetivo empenho para alcançar a prosperidade. A noção de paraíso e predestinação pode ser exemplificada pelas duas dádivas que o país recebeu da comunidade esportiva internacional em 2007 e 2009 quando fomos escolhidos para sediar a Copa do Mundo de 2014 e a Olimpíada de 2016.

Num caso desperdiçamos cinco anos – meia década! –, no outro perdemos três dos sete da preparação.

Temos tempo: a Europa é longe, a Grécia está na antiguidade, Portugal vai novamente incorporar-se à Espanha, a China ainda que menos sôfrega precisa comer e comprar nossa soja, o Oriente Médio se acalmará, Obama gosta da gente e a nossa classe C gosta de comprar mesmo pagando o dobro ou o triplo do que se paga no resto do mundo.

Temos muito tempo: a primeira metade do mandato da presidente Dilma Rousseff esgota-se em outubro próximo com a realização das eleições intermediárias. Nos próximos seis meses (descontados os recessos, pois ninguém é de ferro) vamos saber o que foi feito de novo no plano federal, além da troca de sete ministros punidos por malfeitorias.

Em janeiro de 2013 já teremos prefeitos vitoriosos e partidos derrotados, mas como o ano só começará depois do carnaval e as presidenciais só vão decidir-se depois de uma Copa do Mundo, que deixará todos exultantes, convém não angustiar-se.

A sociedade brasileira aboliu a premência. Por unanimidade. Em primeira discussão. Os corruptos sabem disso. O crime organizado sabe disso. O analfabetismo sabe disso, a estultice sabe disso. Corregedores talvez fossem os únicos a incomodar-se, mas entre eles poucos são os que consultam relógios e verificam calendários.

Alberto Dines é jornalista.

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