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Os astecas eram reis do “gore”.
Os astecas eram reis do “gore”.| Foto: Codex Magliabechiano/Domínio público

A toda hora lemos jornalistas que, parecendo graves e profundos, explicam que eles viram as “imagens reais” do ataque do Hamas a 7 de outubro, mas são “horríveis demais” para divulgá-las à gente ordinária (você e eu).

Um recado para esses jornalistas: os dias em que gente como você nos dizia o que “podemos” ver ou deixar de ver já acabaram. Não lhes cabe determinar o que pode ser visto e o que não pode. A cobertura catastrófica dos primeiros dias de conflito – como o agora infame “Israel bombardeia hospital: 500 mortos” – nos lembra que quem realmente quiser informação escolherá quaisquer outros meios que não a imprensa tradicional.

Agora, quem quiser ver as imagens, vê. Bastam dez minutos pesquisando no Telegram para encontrar os canais apropriados.

Isto é um truísmo que nos mostra como alguns jornalistas ainda estão no século XX, numa relação desdenhosa e infantilizante com seus leitores e ouvintes. Desse ponto de vista, a nova disponibilidade de imagens é, na verdade, um passo adiante, em comparação à seleção por jornalistas, que raramente se distinguem pela objetividade.

A questão que eu gostaria de abordar aqui é diferente: deveríamos olhar para essas imagens às quais temos acesso? Em que ponto a contemplação de tais imagens e vídeos deixa o âmbito do conhecimento e entra no do voyeurismo? E como qualificamos esse voyeurismo?

Em 8 de outubro, o dia seguinte ao ataque massivo contra os cidadãos israelenses perpetrados pelas bestiais hostes do Hamas, as imagens começaram a circular. Eu vi essas imagens. Vi homens, mulheres e crianças assassinados a queima-roupa; corpos de mulheres e bebês carbonizados, sangue, sangue pra todo lado. E, como trilha sonora, não raro a risada dos animais do Hamas perpetrando seu pogrom.

Parece-me que há uma linha tênue, frágil e delicada entre o desejo de saber e o prazer de ver. Por toda parte, à minha volta, o que vejo é o desenvolvimento de uma verdadeira pornografia do horror.

Não penso que me teria sido possível compreender em profundidade, de modo instantâneo, a natureza semelhante aos pogrons desses eventos, sem ver tais imagens horrendas e repulsivas. Mesmo que permaneçam em minha mente pelo resto de minha vida, não me arrependo de tê-las visto.

No entanto, nos dias seguintes, e até agora, quando escrevo, essas imagens continuaram a se multiplicar. Recentemente, um ótimo amigo meu, que também é um senador belga, recomendou um novo canal do Telegram dedicado às imagens e vídeos das atrocidades do Hamas.

Bom, eu não vou ver esse canal. Não preciso ver dez mulheres queimadas, se já vi uma; contemplar os corpos carbonizados de dez crianças não vai me fazer entender o pogrom nem um pouco melhor que ver só um daqueles corpos sangrentos. E eu nem estou falando de imagens de estupro que, pelo andar da carruagem, devem acabar aparecendo.

Parece-me que há uma linha tênue, frágil e delicada entre o desejo de saber e o prazer de ver. Por toda parte, à minha volta, o que vejo é o desenvolvimento de uma verdadeira pornografia do horror, isto é, gente que, de resto, é sã (assim me parece), mas passa os dias, ou ao menos uma fração de cada dia desde 7 de outubro, contemplando, e assistindo várias vezes, em série, as imagens de assassinatos, cadáveres, mulheres queimadas, etc.

É implausível que esse prazer em contemplar o sofrimento ainda tenha algo a ver com o desejo de conhecer – e fazer conhecer – os crimes do Hamas.

Para mim, essa concupiscência, esse voyeurismo do horror, é profundamente abjeto e doentio.

Quando eu era adolescente, vi uma nova geração de filmes “gore” realistas se desenvolver. Nada de gargalhadas e galões de sangue a cada cena. Não, o “gore” realista, isto é, a encenação cuidadosa de tortura, estupro e assassinato de seres humanos nas condições mais realistas possíveis.

Esses filmes me inspiraram uma forma profunda e quase metafísica de nojo. Não é o sofrimento como tal que inspira esse nojo, mas o óbvio prazer daqueles que contemplam esse sofrimento como sofrimento.

Vejo isso como uma forma pura de sadismo. Oh, não sadismo direto, claro, como os pacientes mentais retratados pelo Marquês de Sade. O sadismo por procuração, por meio de um intermediário, covarde e sórdido. Um sadismo vicário que me parece uma forma de pornografia infinitamente mais sórdida e vil do que a pornografia sexual, que, em comparação, é suave.

Para concluir, devemos ficar felizes com o fato de que temos acesso direto a imagens sem precisar do filtro de jornalistas sobrecarregados pelos acontecimentos.

Mas rejeitemos, com energia e determinação, a pornografia do horror, porque é abjeta e profundamente degradante.

Drieu Godefridi, belga, é doutor em Filosofia do Direito pela Sorbonne, autor de "O Reich Verde: Do aquecimento global à tirania verde" (Armada, 2021).

Conteúdo editado por:Bruna Frascolla Bloise
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