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Entramos em ano eleitoral. Campanhas milionárias, promessas surrealistas e imagens produzidas fazem parte do

marketing dos políticos. Assiste-se, frequentemente, a um show de efeitos especiais capazes de seduzir o grande público, mas, no fundo, vazio de conteúdo e carente de seriedade. O marketing, ferramenta importante para a transmissão da verdade, pode ser transformado em instrumento de mistificação. Os programas eleitorais, mais uma vez, venderão uma bela embalagem, mas, de fato, tentarão fugir da discussão das ideias. Nós, jornalistas, somos (ou deveríamos ser) o reverso dessa tendência. Jornalismo é contraponto. Cabe-nos a missão de rasgar a embalagem e desnudar os candidatos.

O nosso papel é ouvir as pessoas, conhecer suas queixas, identificar suas carências e cobrar soluções dos candidatos. Não se pode permitir que as assessorias de comunicação dos políticos definam o que deve ou não ser coberto. O centro do debate tem de ser o cidadão, as políticas públicas, não mais o político, tampouco a própria imprensa. O jornalismo de aspas, pobre e simplificador, repercute o Brasil oficial, mas oculta a verdadeira dimensão do país real. Precisamos fugir do espetáculo e fazer a opção pela informação. Só assim, com equilíbrio e didatismo, conseguiremos separar a notícia do lixo declaratório.

Outros desvios éticos podem comprometer a qualidade da cobertura eleitoral. Sobressai, entre eles, o perigoso jornalismo de dossiê. Os riscos de instrumentalização da imprensa são evidentes. Os protagonistas do teatro político não medirão esforços para fazer com que a mídia, à sua revelia, destile veneno nos seus adversários. Por isso, é preciso revalorizar, e muito, as clássicas perguntas que devem ser feitas a qualquer repórter que cumpre uma pauta investigativa: checou? Tem provas? A quem interessa essa informação? Trata-se de eficiente terapia no combate ao vírus da leviandade.

O esforço de isenção, no entanto, não se confunde com a omissão. O leitor espera uma imprensa combativa, disposta a exercer o seu intransferível dever de denúncia. A sociedade quer um quadro claro que lhe permita formar um perfil dos candidatos: seus antecedentes, sua evolução patrimonial, seu desempenho em cargos atuais e anteriores etc. Impõe-se, também, um bom levantamento das promessas de campanha. É preciso mostrar os eventuais descompassos entre o discurso e a realidade. Trata-se, no fundo, de levar adiante um bom jornalismo de serviço.

Os políticos, pródigos em soluções de palanque, não costumam perder o sono com o rotineiro descumprimento da palavra empenhada. Afinal, para muitos deles, infelizmente, a política é a arte do engodo. Além disso, contam com a amnésia coletiva. O jornalismo de qualidade deve assumir o papel de memória da cidadania. Precisamos falar do futuro, dos projetos e dos planos de governo. Mas precisamos também falar do passado, das incoerências e das ambiguidades.

O Brasil está passando por uma profunda mudança cultural. A corrupção, infelizmente, sempre existirá. Mas uma coisa é a miséria do homem; outra, totalmente diferente, é a indústria da corrupção que está aí. Esta, sem dúvida, deve e pode ser combatida com os instrumentos de uma sociedade civilizada. Transparência nos negócios públicos, ética e competência são as principais demandas da sociedade. Memória e voto consciente compõem a melhor receita para satisfazê-las.

Carlos Alberto Di Franco, doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, é diretor do Departamento de Comunicação do Instituto Internacional de Ciências Sociais (Iics).

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