O julgamento do mensalão, na sua fase de embargos declaratórios, expôs, como nunca, as nuances do ato de julgar, trazendo à tona a angústia inerente à atividade do magistrado. Julgar é um ato humano, permanente e inerente às capacidades cognitivas. O animal age baseado em instintos ou aprendizado comportamental por observação de situação anterior, como nos experimentos dos ratos de Skinner, o criador da psicologia comportamental. Já o ser humano julga baseado na consciência e em padrões e valores formados desde a infância, os quais evidentemente variam muito em cada indivíduo ou grupo.

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Um grupo de animais age exatamente igual em qualquer parte do planeta. Os seres humanos julgam. Dois irmãos, criados da mesma forma, podem ter valores e comportamentos absolutamente diversos. A resposta, por exemplo, para a questão de se determinada pessoa é simpática ou não, se um lugar é ou não agradável, pode ser diferente para dois seres humanos criados em circunstâncias idênticas.

Julgamos nosso comportamento, o que origina ansiedade e culpa em muitas situações. Julgamos o tempo todo o comportamento alheio, a menos que nos policiemos em um grau quase neurótico. Extremamente difícil não estabelecer juízo pessoal de valor acerca de determinada pessoa e determinada situação – fosse assim, aliás, não nos interessaríamos tanto por notícias de celebridades ou acontecimentos pitorescos, o que é utilizado fartamente pela mídia.

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O juiz é o profissional que, por ofício, realiza obrigatoriamente esse ato natural e inerente, devendo fundamentar os motivos pelos quais o faz e sem a possibilidade de uma esquiva de consciência para o ato.

Dizem que o juiz, por ter assessores (nem todos têm), delega o julgamento. Não é verdade. O trabalho de redação ou pesquisa é delegável, o julgamento é indelegável. O ato de julgar não enseja em si possibilidade de delegação, simplesmente porque inerente à consciência do magistrado, e, salvo um transtorno mental que bloqueie qualquer sentimento de culpa, remorso ou moral, nenhum magistrado escapa do julgamento de consciência ou da carga emocional.

O magistrado que condena um criminoso, mesmo com todas as provas e garantias, dentro da mais estrita legalidade, não escapa da enorme carga emocional da condenação de outro ser humano, por mais terrível e demonstrado que tenha sido o crime por ele cometido. Um magistrado do Trabalho que analisa um caso de acidente de trabalho, por exemplo, com morte do empregado – fazendo audiência na qual, em regra, está presente a família e, do outro lado, um representante ou, não raramente, um sócio da empresa –, recebe carga emocional indelegável.

Nessa esteira, é bastante delicado a um juiz socorrer-se, para decidir, da opinião, seja de colegas mais experientes, seja de outros profissionais, mesmo diante de um laudo pericial, um parecer do Ministério Público, ou uma orientação de ótima assessoria. O ato de julgar é solitário. Da mesma forma, fundamentar-se na opinião da mídia ou mesmo no clamor social não afasta o fato de que o julgamento ocorre de dentro para fora, jamais ao contrário.

Da mesma forma que é impensável um médico não ser afetado pela perda de um paciente, por mais que as condições de saúde e de sobrevivência fossem difíceis, impossível ao juiz não ser afetado pela decisão.

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Julgar é, portanto, o ofício do juiz, que dele não escapa – não existe fuga dentro da consciência. Fora dela, entretanto, o juiz, que deve fundamentar toda e qualquer decisão, também é, de certa forma, réu na sociedade midiática. Não há saída. Seja qual for a decisão e a fundamentação, o juiz será sempre julgado, seja pela sociedade ou pela juíza mais rigorosa e verdadeira que existe: sua consciência.

Luciano Augusto de Toledo Coelho é juiz da 4ª Vara do Trabalho de Curitiba.