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"Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades. Muda-se o ser, que se aperfeiçoa. Muda-se a confiança. Todo mundo é composto de mudanças, tomando sempre por rumo novas qualidades." Esse verso de Camões parece-me apropriado ao que vem acontecendo. Por que este abismo entre juízes e cidadãos? Senhores juízes, toda uma sociedade implora: trabalhem, despachem, resolvam! Ao que me conste, um juiz trabalhar, exarar sentenças e fazer despachos não passa de sua obrigação, pela qual, aliás, é muito bem pago em salários e benefícios. Todos temos prazos a cumprir em nossos trabalhos. Só os juízes não têm prazo para nada.

Para que não me interpretem mal, esclareço que admiro e respeito a honrada categoria de juízes decentes, que tornam-se tão ou mais escassos que a população dos micos-leões dourados ou das ararinhas azuis. Porém, seria falso negar a indignação que decorre da constatação do quanto os maus juízes podem, ardilosamente, dispor da vida dos outros, sem a menor cerimônia.

Ruy Barbosa escreveu: "Que a coroa da justiça esteja mais alta que a coroa dos reis. E seja tão nobre e imaculada como a dos santos". É, dr. Ruy, ainda bem que o senhor não está aqui para ver. Nem todos são maus na Justiça e os que sobram, em sobeja maioria, conseguem matar advogados, destruir famílias, exterminar crenças, destroçar esperanças. Pois a sentença da Justiça, dr. Ruy, quando chega depois de anos e anos, mesmo que vitoriosa, chega fria, tardia, frouxa, vazia, e deveria vir acomodada em esquife, porque gélida como um cadáver. E assim, como na vitória do fracasso, as famílias e as histórias se perdem e nada, absolutamente nada, se resolve.

Perdoe-me por incomodar seu descanso eterno, dr. Ruy, mas é só para relatar-lhe o que tenho assistido pasma. "Bacharelepípedos" formam-se em qualquer faculdadezinha (as temos nestes tempos aos milhares) com diplomas adquiridos em suaves prestações, o que por aqui denomina-se mensalidade. Depois, fazem cursinhos caríssimos para passar no sério exame da OAB. E aí, mais um cursinho para a carreira de juiz. São mocinhos que, sem vivência nem maturidade, determinam nossas vidas.

Para ilustrar: presenciei dia desses, pelo processo do inventário de meu pai, que já dura uma década e meia, um rapazinho com gel nos cabelos espetados, mangas da camisa dobradas e braços tatuados. Era o juiz. Sem qualquer constrangimento, disse: "Comecei há pouco tempo e nem li estes autos, mas como estão todos aqui vamos realizar a audiência assim mesmo". Isso é conduta de juiz? Em seguida, disse que precisaria ler os autos e remarcou a audiência para sete meses depois.

Sou professora universitária de Ética e Legislação do Jornalismo, tendo começado como monitora pelas mãos do saudoso dr. João Féder. Em qualquer empresa, funcionários são punidos ou premiados por rendimento, capacidade, produtividade e competência. Mas quem fiscaliza a conduta dos juízes? É a Corregedoria, claro, desde que sejam denunciados pelos advogados.

Outro caso: como cidadã, e não como jornalista, agendei por telefone uma visita a uma juíza, pois não compreendia a demora para um simples despacho. Lá, um assessor desdenhado me perguntou: "Será que a senhora não sabe que juiz só fala com advogado?" Expliquei que havia agendado. Ele alegou de nada saber e deixou claro que "gente comum juiz não atende". Saí dali lamentando profundamente, por mim e por toda a sociedade produtiva, que paga o salário da juíza e deste servidor. Lamentei por receberem polpudos soldos de nós, gente comum.

Um terceiro caso de arrepiar: partes e testemunhas estavam na sala havia mais de 30 minutos, quando adentra, pedindo "escusas pela demora, fruto do excesso de trabalho", uma juíza de chinelos, com dedos separados por algodões e tremendo cheiro de esmalte fresco. Com roupas informais e segurando uma caneca de chá com figurinhas do Mickey e Minnie, avisou que fôssemos breves, pois ela tinha um casamento para ir. Perguntou o mínimo, ouviu menos ainda e alegou que precisava estudar melhor o processo, marcando nova audiência para 11 meses depois. Na saída, vimos a manicure uniformizada com sua frasqueirinha.

Como de maus juízes tudo se espera, rogaria ao dr. Ruy e a Deus, este sim com poder sobre as pessoas, que na esfera da justiça houvesse mais dignidade, respeito e, sobretudo, vergonha na cara.

Os fatos relatados me lembram uma obra que li: O homem medíocre. Um trecho: "No verdadeiro homem medíocre, a cabeça é um simples adorno. Nenhum homem é excepcional em todas as suas atitudes. Mas não se poderia apenas definir como medíocres os que não se sobressaem em nenhuma. Os medíocres desfilam diante de nós como simples exemplares de história natural, com o mesmo direito dos gênios. Já que existem, é preciso estudá-los".

A obra é de José Ingenieros (1877-1925), médico, catedrático, psiquiatra, filósofo e sociólogo, bem-sucedido em seus domínios. Pode-se dizer que o autor desmascara os mais funestos defeitos morais que impedem a formação de ideais e o enobrecimento da vida: a rotina, a hipocrisia e o servilismo. É, caros leitores, alguns de nossos juízes seriam pratos cheios para excelentes psiquiatras.

Meu pai, João Régis Fassbender Teixeira, escreveu as seguintes palavras no prefácio de obra de minha autoria: "É tempo que os homens do mundo tenham certeza que o diálogo está acima, até do amor. Não sobrevive quem não dialoga, quem não se entende. ‘Lebret’ dizia, com propriedade, que dois terços da humanidade não dormem porque têm fome; um terço desta mesma humanidade também não dorme... com medo dos que têm fome". E acaba ninguém dormindo.

As batalhas da esperança, da fé, já estão polimorfas, gélidas, em esquifes, com sentenças mortas de tanto esperar pela Justiça dos Homens, restando para estes maus juízes o acerto final de contas de todas as suas omissões e inconsequências, lá em cima, pois o bom Deus, que tudo fez, faz e vê, haverá de conceder finalmente a sentença e o despacho final, que cada omisso mau juiz merece. E que assim seja.

Regina Kracik Teixeira, professora e jornalista.

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