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O 190.º aniversário da Independência está sendo lembrado da forma habitual – distraída, na melhor das hipóteses burocrática. O brasileiro torna-se insensível aos grandes frissons coletivos, conforma-se com a limitação das suas expectativas. Mesmo na esfera esportiva, a animação inicial com a realização de dois magnos eventos internacionais está sendo desativada pelo inevitável ceticismo que escorre dos sucessivos escândalos, da omissão e do desleixo funcional dos governantes.

A efeméride desta sexta-feira nos confronta com outras duas: o primeiro centenário da nossa emancipação, em 1922, espetacular evento internacional que projetou o Brasil como nação-surpresa; e o segundo centenário, a ser comemorado em 2022, dentro de apenas dez anos – "apenas", já que a apresentação da candidatura do Rio de Janeiro para sediar a Olimpíada teve uma antecipação de sete anos e o segundo centenário de nosso nascimento, com um prazo ligeiramente maior, deverá ter significados mais espetaculares, empolgar o país inteiro, não somente no tocante a avanços logísticos e urbanísticos.

Até 2022 deverá estar superado o desafio (ou maldição) do "país do futuro"; este é o nosso deadline. Não é prazo fatal; ao contrário, é um marco vital. Até 2022 o Brasil deverá materializar o seu potencial econômico, as promessas de generosidade social e, sobretudo, confirmar a sua criatividade numa proposta cultural consistente. Em 2022, deverá estar visível e frondosa a sonhada civilização brasileira.

A decisão de preparar o Rio de Janeiro como vitrine do Brasil não começou em 1922, mas no início do século 20, quando se decidiu comemorar o centenário da abertura dos portos em 1908. A ideia da Cidade Maravilhosa começou naquele momento, com a espetacular façanha do prefeito Pereira Passos, reurbanizando a capital em prazo recorde, e de Oswaldo Cruz, tornando-a sanitariamente viável.

A discussão sobre os festejos de 1922 preparou o país para uma nova fase. Os grandes jornais celebraram o decisivo papel mobilizador da imprensa na Independência e a própria escolha do Sete de Setembro de 1922 para marcar a primeira emissão radiofônica em território brasileiro – o início da Era do Rádio – revela a disposição nacional para um grande salto adiante. Historiadores começaram a questionar a veracidade do "brado retumbante" às margens do Ipiranga (o marco da Independência seria a coroação do imperador, em 12 de outubro); a Semana de Arte Moderna de fevereiro de 1922 configurava-se como reação da intelectualidade paulista à hegemonia do Rio de Janeiro (anfitrião dos faustosos festejos do centenário) e resistência aos paradigmas parnasianos e realistas que imperavam nas artes.

A Europa ainda não se recobrara da calamidade da Grande Guerra terminada em 1918, a fome devorava a recém-criada União Soviética, a vertiginosa inflação corroía a economia alemã, Adolf Hitler ainda era um desconhecido das massas, mas o fanatismo da extrema-direita alemã iniciava a derrubada do projeto social-democrata da República de Weimar, enquanto Benito Mussolini sentia-se preparado para a audaciosa Marcha Sobre Roma, que marcaria o lançamento mundial do fascismo. A rica e amena América do Sul era a alternativa ao ódio que fermentava no Velho Mundo.

As fronteiras alargaram-se, as oportunidades são as mesmas. O segundo centenário pode oferecer o imperioso conteúdo que a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos até agora não parecem ser capazes de fomentar. Precisamos de metas e premências: se os "50 anos em 5" de JK são apertados, vamos fazê-los nos próximos dez.

Alberto Dines é jornalista.

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